Vittorio Medioli
Seis, mais um
PUBLICADO EM 16/02/14
Estas seis coisas o Senhor odeia, e a sétima a sua alma abomina”, encontramos escrito nos Provérbios.
Primeira das coisas odiadas pelo Senhor: “olhos altivos”. Se os olhos são o espelho da alma, a leitura deles revela o íntimo de uma personalidade. Os olhos não conseguem tratar a mentira como verdade. Cada vez mais se usam, inconscientemente, óculos escuros, isso para ter a vantagem de ler os olhos alheios sem revelar os próprios. O olho esquerdo, sabem os magos, conduz diretamente ao “tabernáculo”. O olhar altivo “odiado” confessa arrogância. Olho que se volta para o alto frauda a si mesmo na realidade. E, atenção, se altivez pode se entender como grandeza de quem não se atrasa com picuinhas, o olhar altivo se despede da humildade dos fortes, de quem é suficiente a si mesmo.
Segunda “coisa”: “língua mentirosa”, essa também o Senhor odeia. A mentira é a negação do que “é”. Nega-se Deus. Ensina-se na doutrina de sabedoria que não há religião superior à verdade. A mola da evolução é a verdade absoluta, essência da criação, linguagem divina por excelência. A língua que mente se opõe a Deus/Verdade. A mentira como esterco servirá nas profundezas para adubar a flor. Para os brâmanes nada se perde, e até a mentira servirá para possibilitar o castigo e a penitência dos mentirosos.
Terceira “coisa”: “mãos que derramam sangue inocente”. O castigo se abate mais violentamente sobre quem se mancha de sangue. Sangue é o líquido que provoca a alquimia da vida. O vegetarianismo, ausência de sangue na dieta, não por acaso é status sine qua non dos mais evoluídos. Pitágoras, Platão, Plotino, Plutarco, Leonardo da Vinci, Albert Einstein em comum tinham esse cuidado alimentar. Até Torquemada e os inquisidores queimavam os hereges para as chamas evaporarem seu sangue! Quem com suas ações e omissões provoca o sofrimento de inocentes indefesos não escapa da condenação divina.
Quarta “coisa”: “o coração que maquina pensamentos perversos”. Claro que o autor considera o pensamento, algo real, mesmo que impalpável. O pensamento habita um mundo invisível aos olhos, mas gera efeitos concretos, povoa o universo e lhe dá a forma. Pode envelhecer e enfear, como pode rejuvenescer e embelezar. A mulher que cultiva pensamentos baixos deforma seu semblante, a impudica se faz detestável. O pensamento é o projeto que antecede a realização. Mais que botox, são os pensamentos puros e de amor elevado que deixam atraente um olhar. E o que é o charme senão algo que transforma umas linhas comuns em uma força de atração irresistível?
Quinta “coisa”: “pés que se apressam a correr para o mal”. O mal, ensinam os sofistas persas, não existe, é uma ausência do bem. Um desafio para o homem exercitar seu livre-arbítrio e merecer acesso a estados mais elevados de evolução. É a trajetória da monada dos brâmanes, de Leibniz no Ocidente. É a odisseia de Adão que sai do Éden para, com suas pernas e seu esforço, escalar o cume do Nirvana, merecer o paraíso cristão, o estado de comunhão com Deus.
Sexta “coisa”: “a testemunha falsa que profere mentiras”. Essa é a forma de apunhalar outro filho de Deus, a tentativa de infelicitar um inocente. É a mentira usada como arma de destruição.
Sétima e última “coisa” - que “abomina” Deus. “O que semeia contendas entre irmãos”. A desarmonia fratricida, o engano que se arroga a capacidade de ficar impune e contrariar o esforço divino voltado para a harmonia e a união.
Se ser cristão é uma condição reconhecida por mais de 90% da população brasileira, por que razão não se ater a esse curto e sábio versículo dos Provérbios e considerar que “O homem mau, o homem iníquo tem a boca pervertida... Por isso a sua destruição virá repentinamente; subitamente será quebrantado...”.
E fique claro que o “ódio do Senhor” é com as “coisas”, não com os filhos pecadores, esses terão, com a penitência e o arrependimento, a possibilidade do perdão.
http://www.otempo.com.br/opini%C3%A3o/vittorio-medioli/seis-mais-um
Nenhum comentário:
Postar um comentário