15 de Outubro de 2013 - Juiz de Fora
Manifestações de grupos provocam indignação e revolta em moradores e comerciantes
Por Nathália Carvalho
As pichações pela cidade, que se mantinham de forma tímida há alguns meses, agora tomam muros, prédios, portões e paredes de várias regiões da cidade, principalmente no Centro e nos bairros Santa Helena e São Mateus. Nos últimos dias, as manifestações se intensificaram, atingindo até mesmo três ambulâncias. Se de um lado, as pinturas são vistas como forma de expressão de um grupo, de outro causam indignação e revolta, deixando acuados comerciantes e moradores, que nem sempre registram a queixa, temendo retaliações. Inconformados, moradores e comerciantes de ruas do Centro dizem não saber a quem recorrer. Com as paredes danificadas, resta pintar novamente aos que têm esta oportunidade.
Diante desta nova onda de pichações, a Tribuna percorreu ruas onde os atos foram mais intensificados, conversou com pessoas que tiveram imóveis afetados e percebeu que muitos deles teriam identificado os responsáveis como moradores da própria região. Os riscos, rabiscos, assinaturas, manchas, marcas são fruto de uma juventude insatisfeita e ousada, que parece não temer as punições. O caminho, apontado por quem se preocupa com a situação, é criar alternativas de inseri-los em atividades de desenvolvimento artístico ou ordená-los a buscar outras formas de expressar suas inquietações.
Entre as ruas mais afetadas está a Benjamin Constant. Após vários registros de pichações em residências da via, na última sexta-feira, os grupos foram além e resolveram intensificar a agressão. Três ambulâncias, sendo uma do Samu e duas do serviço de transporte inter-hospitalar no município, foram pichadas e não puderam circular por cerca de 12 horas, comprometendo o transporte de pacientes da rede pública. Polícias estiveram no local e realizaram perícia, mas os jovens, vistos por um vigilante, não foram encontrados. Após a ocorrência, um leitor relatou que chegou a flagrar dois jovens pichando uma loja na Santo Antônio, ligou para a polícia passando a descrição deles, mas nada foi feito. "Os moradores da nossa cidade pedem socorro. Somente a instalação de câmeras não resolve, precisamos de mais policiais e viaturas nas ruas e nas praças", pediu.
Desde o início do ano, a Tribuna acompanha casos envolvendo pichações pela cidade. No dia 19 de fevereiro, o alastramento das pichações foi tema de audiência pública na Câmara Municipal, com a presença de vereadores, policiais, comerciantes e administradores públicos.
Na época, o vereador Rodrigo Mattos (PSDB) disse que marcaria reuniões entre o Legislativo, as polícias e o Juizado Especial de Pequenas Causas para discussão de implementação de projetos que envolviam novas formas artísticas e direcionamento dos infratores para oficinas. No mês seguinte, a 1ª Delegacia de Polícia Civil identificou sete pessoas, cinco delas adolescentes, como sendo responsáveis pelos atos, principalmente na Zona Sul. O delegado José Márcio Carneiro informou, na ocasião, que os jovens eram de famílias de classe média alta. Segundo Rodrigo, os encontros para debater a questão aconteceram no início do ano, mas, com a identificação dos suspeitos, a situação foi acalmada. "Com a aparição dos novos casos agora, pretendo entrar em contato com as polícias e pedir a intensificação da apuração das ocorrências."
Desrespeito e descuido
Para buscar detalhes sobre o que vem ocorrendo no Centro, a Tribuna percorreu, em dias diferentes, alguns pontos da região central e conversou com moradores e comerciantes. No primeiro dia, 27 de setembro, vários flagrantes foram registrados ao longo de ruas como São Sebastião, Santo Antônio, Silva Jardim, Espírito Santo, Benjamin Constant e Tiradentes. Contudo, dias depois, a situação pareceu ter se agravado.
No dia 1º deste mês, vários pontos amanheceram com novas pichações, provavelmente de um grupo que percorreu a cidade na madrugada. Em um dos casos que mais chamou a atenção, na Rua Benjamin, próximo à Santo Antônio, uma moradora que teve sua casa depredada e preferiu não se identificar, contou que mora no local há 40 anos e que isso nunca havia acontecido. "Tem tanto lugar abandonado na cidade, sujo e feio precisando de umas cores, eles poderiam contribuir e ajudar." Com medo de ameaças que amigos sofreram, ela opta por não chamar a polícia. "A impressão que tenho é que eles vão voltar para pintar o resto." E foi o que aconteceu. Uma semana após a Tribuna conversar com a aposentada, ela entrou em contato com a redação para contar que os jovens haviam voltado para pichar mais. "Pintaram agora minha garagem e a casa de uma vizinha."
Próximo dali, os muros do Colégio Apogeu também foram pichados. Segundo o gerente administrativo da rede, Marcos Aurélio Martins, o local passou por manutenção há cerca de dois meses, e há um mês, houve a pichação. "É desagradável, causa má impressão. Nunca tivemos problema com isso, mas já que aconteceu, vamos acelerar um projeto e realizar um trabalho artístico no muro." Na Avenida Itamar Franco, um estabelecimento localizado próximo à esquina com Santo Antônio, também amanheceu pichado no dia 1º. O proprietário preferiu não falar sobre o assunto e, no dia seguinte, mandou pintar o imóvel. Na Number One, na Rua Santo Antônio, a diretora diz que o prédio havia acabado de ser pintado quando os vândalos realizaram a pichação. "É um absurdo, é esteticamente feio e mostra desrespeito e descuido com a cidade", comenta Leila Chagas.
Outra rua tomada pelas pichações é a Tiradentes, principalmente entre a Espírito Santo e a Marechal Deodoro. Praticamente todas as residências e comércios, de ambos os lados, apresentam marcas deste tipo de vandalismo. Trabalhando há dois anos no local, o chaveiro Telmo Fernandes alega já ter revitalizado a fachada do comércio três vezes. "Há aproximadamente 15 dias, eu havia pintado e, agora, apareceram umas novas. Agora, já desisti de gastar dinheiro." A vizinha Ângela de Matos, 49, comenta que faz pouco tempo que pintou a casa, mas que a situação é frequente. "Parece que eles vão pichando aos poucos."
Imagens flagram ação de vândalos
Indignada com a situação, uma moradora do Centro, vítima da onda de pichações do dia 1º, resolveu conversar com vizinhos para procurar possíveis suspeitos. "Uma amiga ouviu o barulho de madrugada e viu a ação deles. No dia seguinte, ela reconheceu o carro passando pela rua e os jovens mostrando o trabalho do dia anterior. Logo em seguida, o veículo entrou em um prédio da nossa rua." Na semana seguinte, quando a situação voltou a ocorrer na região, moradores confirmaram a cor do carro. "Temos medo de eles aparecerem de novo, mas vamos continuar investigando." Na semana passada, moradores informaram que um porteiro viu a ação e chamou a PM, que não compareceu. "Ficamos à mercê deles. Em Juiz de Fora, não vemos mais policiamento nas ruas. Só nos resta ficar vigiando", diz a moradora.
Algumas imagens de prédios identificam o rosto dos suspeitos, contudo, em um dos casos o proprietário do imóvel preferiu não mostrá-las à polícia e nem divulgá-las publicamente. Em um prédio na esquina das ruas Santo Antônio com São Sebastião, uma câmera localizada próximo à garagem registrou a ação dos jovens no dia 1º. Apesar da baixa qualidade das imagens, o circuito conseguiu flagrar o momento em que dois homens chegam às 3h15 e começam a pichar.
Segundo o comandante da 30ª Companhia da PM, capitão Marcelo Monteiro de Castro, quando a PM se depara com este tipo de situação, o infrator é levado para a delegacia. "Caso contrário, para saber quem é o responsável pela pichação, é necessário realizar a denúncia para tomarmos as providências cabíveis."
Por meio de sua assessoria, a Polícia Civil informou que é necessária a participação da população para a apuração dos crimes. A pichação é considerada como crime de dano e depende do registro do boletim de ocorrência policial para qualquer procedimento. Já com relação às pessoas que possuem informações sobre os autores das pichações e receiam em denunciar, a colaboração pode ser feita pelo 181, de forma anônima. Ainda de acordo com a assessoria, foram localizados apenas três registros de dano por pichações em Juiz de Fora neste ano. Segundo um dos titulares da 1ª Delegacia Regional, Eurico da Cunha, a investigação depende da participação da PM. "Aqueles pichadores que agiam na Zona Sul não apareceram mais após serem encaminhados para a Justiça. Mas a investigação destes casos é complicada. Não posso tirar uma equipe que está atrás de drogas, por exemplo, para ficar atrás de pichadores. É um crime em que a pessoa não vai ficar presa, então nosso trabalho é mais de intimidação e de alertar a família." Para quem realiza pichações, estão previstas punições no Código Penal, como multas e detenção. Em Juiz de Fora, a Lei Municipal 9.379 prevê que infratores sejam penalizados com advertência, reparo do dano em até cinco dias e multa.
Demarcação de território
Para o professor de comunicação da UFJF e pesquisador nas áreas de saúde, violência e juventude Wedencley Alves, o principal objetivo dos grupos de depredadores é a busca por visibilidade. "Essa violência do jovem é uma forma de expressão. O que a cidade tinha que fazer é tentar maneiras não violentas como alternativa para essas atitudes. Quando eles se sentem não reconhecidos socialmente, nem sempre vão buscar canais institucionais para se expressar, daí surgem as provocações. Eles sabem que são mal vistos, mas fazem porque incomodam." Segundo o professor, as pichações buscam marcar território, e a linguagem da repressão não facilita o entendimento. "Uma solução é o Poder Público ouvi-los, sem tratá-los como bandidos ou ignorá-los."
Na opinião da articuladora cultural do projeto "Gente em primeiro lugar", da Prefeitura, Fernanda Toledo, conhecida como Pequena, é uma situação delicada e não isolada, mas que merece ser vista com um outro olhar além da repressão. "Os jovens estão denunciando outras carências sociais, que não necessariamente são econômicas. Eles reivindicam seu espaço e denunciam que algo não está bem na sociedade. A rua é o lugar de expor o trabalho deles, mais do que em uma galeria de arte." A artista, que passou dois anos fazendo pichações, hoje dá aulas de sua arte, aprimorada em oficinas, e trabalha com jovens, buscando ensinar as diversas expressões artísticas de uma forma geral.
No entendimento do professor de direito penal e criminologia da UFJF Leandro Oliveira Silva, a principal iniciativa das autoridades é ouvir o "grito de alerta" como uma forma de clamor por mais assistência, políticas públicas e educação. "É necessário entender quem são esses agentes e qual é o seu recado. Lembrando que antes, grafiteiros eram vistos como criminosos e hoje possuem respaldo da legislação, que os entende como artistas de rua. Já em um segundo momento, precisamos elaborar medidas para que este tipo de situação não ocorra e criar outros meios de canalizar suas vontades."
Segundo o chefe do Departamento da Juventude da Secretaria de Desenvolvimento Social, José Francisco de Oliveira Sobrinho, existe preocupação em criar uma interlocução entre o Poder Público e a juventude, como foi a elaboração do Plano Municipal da Juventude. "Estamos buscando dar voz aos jovens, identificando os problemas desse segmento e as possíveis soluções conjuntas. Neste sentido, buscamos mapear a juventude juiz-forana, fazendo um levantamento das organizações juvenis e, através deles, criar a interlocução com segmentos alheios à participação social."
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