06/09/2013
às 17:46A velhice de Caetano Veloso é um naufrágio. Ou: Cantor vira um “black bloc”, o que quer dizer que também quer acabar com o capitalismo. Os patrocinadores de seus shows concordam com a violência e o quebra-quebra?
Ao comentar a colaboração do marechal Pétain — herói de guerra francês — com os nazistas, Charles de Gaulle sentenciou: “A velhice é um naufrágio”. Pétain, herói da Primeira Guerra e figura quase mítica no Exército, destruiu a própria biografia ao aceitar comandar, com mão de ferro, a chamada “República de Vichy”. Quem não conhece o assunto deve pesquisar a respeito. É um capítulo asquerosamente fascinante da história francesa e da Segunda Guerra. Com a derrota nazista e a libertação da França, em 1944, Pétain foi preso e condenado à morte, pena comutada em prisão perpétua. Morreu na cadeia, aos 95 anos. Quando aceitou ser mero títere de Hitler em parte do território francês, já tinha 84.É certo que De Gaulle não se referia à idade física, à idade cronológica. O problema de Pétain era a decrepitude mental e moral. Envelhecer, envelhecemos todos. Alguns, bem; outros, muito mal. Alguns põem a serviço das novas gerações e das que virão a única vantagem inequívoca que traz a idade: a experiência; outros, tomados, assim, pela síndrome de Dorian Gray, tentam parecer sempre jovens. Não havendo, no entanto, uma força superior, maligna ou benigna, que lhes confira a eterna juventude física, tentam dar às ideias a plasticidade de uma eterna mocidade, entendida, no caso, como a adesão a tudo aquilo que lhes pareça novo — ainda que esse “novo” possa ser o endosso à violência e à barbárie. É o caso de Caetano Valoso. A velhice deste senhor é um naufrágio.
Não é o único náufrago de si mesmo. Como lembro assim, Pétain foi um caso emblemático. Jean-Paul Sartre foi outro. Quando nos lembramos de seu apoio irresponsável — e já não tinha mais nada a dizer; já havia escrito o que poderia ter algum interesse — aos maoistas, em 1968, cumpre evocar Raymond Aron. Ambos tinham, então, a mesma idade: 63 anos. Sartre viu na estupidez daqueles dias o surgimento de uma nova aurora; Aron preferiu cotejar a reivindicação dos jovens com o que a humanidade havia produzido até então em defesa das liberdades públicas e privadas e anteviu o que se deu: a barbárie intelectual e moral. Por que isso tudo?
Caetano decidiu visitar a sede da tal Mídia Ninja, no Rio. É um antigo admirador de Pablo Capilé e, suponho, de seus métodos — consagrados, reconheça-se, pelo governo federal na importação de médicos cubanos. Ao conversar com aqueles patriotas — e a penca de denúncias contra o “Fora do Eixo” é de domínio público; parte das acusações, convenham, foi confirmada pelo próprio Capilé —, Caetano não só defendeu a ação dos black blocs. Na sua página do Facebook, o grupo publicou o seguinte mimo: “Caetano Black Bloc. É uma violência simbólica proibir o uso de máscaras. Dia 07 de setembro todos deveriam ir às ruas mascarados”. A informação está na página do jornal Extra.
Não parou por aí. Posou para uma foto com a cara coberta. Informa o jornal: “A foto de ‘Caetano Black Bloc’ e o apoio dele ao grupo foi publicada também no perfil oficial do compositor no Twitter. A produtora Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano, elogiou a iniciativa: ‘Meu Deus. Ninguém segura painho!’. O deputado estadual Marcelo Freixo emendou: ‘Sensacional! Quanto orgulho!’.”
Marcelo Freixo é um dos chefões do PSOL, o partido que foi construído, segundo o testemunho da deputada Janira Rocha, com dinheiro do Sindsprevi. Ela confessa também que a grana do sindicato foi roubada para financiar a sua campanha. É claro que Janira acha, e deve ser este o pensamento do PSOL, que roubar dinheiro público para fundar um partido é uma coisa admirável.
A velhice de Caetano é um naufrágio não porque ele tenha 71 anos. Está no pleno gozo de suas faculdades mentais. Mas, curiosamente, aos 20 e poucos, ele se negava a aderir à esquerda botocuda, ignorante, mistificadora, que fazia oposição ao regime militar. Sem fazer juízo de valor sobre o Tropicalismo — há coisas interessantes, e há bobagens monumentais, mas não entro nisso agora —, teve, então, uma posição corajosa. Em síntese, a alternativa ao regime militar não era a tacanhice stalinista. Muito bem! Ocorre que Caetano parece não suportar a ideia de que se possa, sei lá, estar fazendo história em algum canto sem a sua participação. Confunde o novo com o bom; toma o inédito como sinal de progresso; comete o erro estúpido de achar que aquilo que desafia o senso comum e o bom senso pode trazer, em si, a semente de uma revelação ou de uma revolução.
Que outra justificativa pode haver — a alternativa é supor que se tornou um defensor da delinquência pura e simplesmente — para que declare o seu apoio a um grupo cuja linguagem é quebrar, destruir, intimidar? Que outra justificativa pode haver para se alinhar com aqueles que entendem que esse é o caminho, imaginem vocês!, para acabar com o capitalismo? O Extra, como costuma acontecer com a quase totalidade da imprensa, é generosa com o velho gagá: “Caetano Veloso não costuma se abster de assuntos polêmicos, e com o Black Bloc não foi diferente”.
“Assuntos polêmicos”? Um assunto polêmico é aquele que transita numa zona de sombra da moralidade e da ética, sobre a qual a sociedade ainda não tem uma posição firmada — ou, vá lá, ainda não encontrou um ponto de equilíbrio, podendo dividir radicalmente as opiniões. Os dois lados que se entregam, então, ao confronto de ideias reivindicam que sua leitura do fato é a mais justa, a que expressa com mais clareza os valores da civilização. ISSO É UMA POLÊMICA! Os black blocs não têm nada de polêmico. A menos que se admita, agora, no terreno das ideias aceitáveis, quebrar por quebrar, destruir por destruir, vandalizar por vandalizar.
Já escrevi nesta quinta a respeito dessa história de máscaras. Usei como exemplo o taco de beisebol. Reproduzo (em azul):
Bárbaros que, não obstante, continuam a contar com a simpatia, sim, de alguns setores, hoje restritos, da imprensa. E a forma de fazê-lo é usar a lei a serviço do crime. De que modo? Chama-se o ato de sair à rua mascarado de “liberdade de expressão”. Não tenho dúvida de que sim. Mas a democracia não é só um regime dos meios; também é um regime dos fins. Cabe perguntar: sair às ruas com máscaras para quê? Com que propósito? Não é proibido andar por aí portando um taco de beisebol. Mas é crime usá-lo para rachar cabeças ou quebrar vitrines de lojas. Se a Polícia, a Justiça e a sociedade constatam que tacos de beisebol se tornaram o modo de expressar a violência organizada, então é evidente que portadores desse instrumento passarão ser vistos como suspeitos. É uma questão de lógica elementar. Indagar se o constrangimento aos que seguram o bastão fere ou não um direito essencial é só um servicinho que o legalismo presta ao crime.
Bárbaros que, não obstante, continuam a contar com a simpatia, sim, de alguns setores, hoje restritos, da imprensa. E a forma de fazê-lo é usar a lei a serviço do crime. De que modo? Chama-se o ato de sair à rua mascarado de “liberdade de expressão”. Não tenho dúvida de que sim. Mas a democracia não é só um regime dos meios; também é um regime dos fins. Cabe perguntar: sair às ruas com máscaras para quê? Com que propósito? Não é proibido andar por aí portando um taco de beisebol. Mas é crime usá-lo para rachar cabeças ou quebrar vitrines de lojas. Se a Polícia, a Justiça e a sociedade constatam que tacos de beisebol se tornaram o modo de expressar a violência organizada, então é evidente que portadores desse instrumento passarão ser vistos como suspeitos. É uma questão de lógica elementar. Indagar se o constrangimento aos que seguram o bastão fere ou não um direito essencial é só um servicinho que o legalismo presta ao crime.
Viram como sei?
Ao comentar as pilantragens confessadas pela deputada psolista Janira Rocha, evoquei o nome de Marcelo Freixo, e escrevi: “Freixo passou a ser o queridinho do Chico Buarque, do Caetano Veloso e do Wagner Moura, três profundos conhecedores do socialismo com liberdade”. Em um texto na madrugada de hoje, observei que, no Brasil, algumas coisas são consideradas santas, diante das quais a gente deve fazer sinal da cruz — citei entre elas as“opiniões do Caetano Veloso, do Chico Buarque e do Wagner Moura”. Aí alguns leitores reclamaram: “Pô, você está pegando no pé de Caetano…”. Vejam aí. Não escrevo as coisas por acaso.
Caetano assinou um manifesto de artistas, antropólogos e sociólogos, sempre eles!, que entregaram uma carta a José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do Rio, pedindo o fim da violência de manifestantes e da polícia. É uma gente intelectualmente dolosa. ideologicamente vigarista; no limite, simbolicamente criminosa. A violência da polícia, por óbvio, tem de ser reprimida e punida. Ninguém reconhece ao estado a faculdade de ir além do que está estabelecido pelo pacto democrático. Mas o norte do estado democrático e de sua polícia não é a violência; quando ela é praticada, está-se diante de um desvio. Por mais frequente que seja esse desvio — e isso varia de acordo com a qualidade dos governos —, sabe-se que se trata de um erro. Os black blocs, que agora o gagá ridiculamente mimetiza, têm os atos violentos como um norte moral, como um instrumento de luta que consideram legítimo.
Caetano parece estar com show e disco novos, ou algo assim. Ninguém estava lhe dando muita bola. Os adoradores da seita caetanista na imprensa também andam em baixa. Faz tempo que ninguém lhe dá a importância que ele julga ter. De certo modo, ao escrever este longo texto sobre a sua estupidez, eu forneço um pouco de sangue ao vampiro, que está a clamar por alimento. Torna-se a cada dia mais irrelevante. O “painho”, como diz sua ex-mulher (confesso que fiquei com certo nojinho, mas resistirei à tentação de especular sobre isso), no entanto, continua a pairar acima do bem e do mal, e ninguém vai lhe cobrar um mínimo de coragem. Eu vou. Que ele seja um black bloc de verdade! Que declare o seu rompimento com o capitalismo, como pregam os idiotas mascarados que ele mimetiza, e passe a dar shows de graça, renunciando a toda e qualquer forma de patrocínio. Da última vez que ele resolveu enroscar comigo, estava todo ofendidinho porque sua irmã havia obtido autorização da Lei Rouanet para fazer um CD lendo poemas ou algo assim. Critiquei a concessão, e Caetano tentou provar que ela era um patrimônio nacional — qualquer questionamento, pois, só poderia partir de pessoas acima dessa linha de exclusão.
Caetano já chegou a me irritar com suas tolices. Desta vez, sinto é pena. Ter de apelar a isso para ser notícia é a prova inequívoca do seu naufrágio.
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