07/07/2013
Em Belo Horizonte, postura da polícia mediante os manifestantes foi tachada de agressiva e desnecessária
RAQUEL SODRÉ
As imagens de policiais lançando bombas de gás lacrimogêneo e atirando balas de borracha contra manifestantes durante os protestos que ocuparam as ruas de todo o Brasil no último mês trouxeram de volta para a pauta de discussões um assunto desconhecido para a maioria das pessoas: a desmilitarização da polícia brasileira.
Defendida por especialistas e por conselho da Organização das Nações Unidas (ONU), a proposta acaba com o modelo adotado pelo país, que separa o policiamento ostensivo do investigativo, unificando suas ações em uma única entidade, de natureza civil.
Tal mudança não significa que a polícia será pacífica e desarmada, incapaz de enfrentar situações de risco, segundo o professor de direito penal Túlio Vianna, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “É mais uma questão de mentalidade, treinamento e cultura do que de deixar de usar a força quando ela se fizer necessária”, explica, reforçando o argumento de que a estrutura, a hierarquia e a formação da Polícia Militar distanciam a corporação do cidadão.
O especialista esclarece que, desmilitarizando, haveria a mudança de alguns pontos fundamentais. O policiamento ostensivo e preventivo passaria a ser realizado também pela Polícia Civil. “É muito mais efetivo, prático e barato. Gastamos uma grande soma de dinheiro para manter uma máquina que é redundante”, defende Vianna.
Hierarquia. Além disso, ainda haveria mudanças na hierarquia. Os policiais de cargos – e não mais patentes – mais baixos seriam subordinados somente a seu chefe direto, ao contrário do que ocorre hoje. E podendo executar tanto funções de patrulhamento como de investigação, “o policial teria uma possibilidade de carreira mais inteligente”, afirma.
A reformulação também chegaria à formação dos agentes de segurança. “O resquício cruel da ditadura militar treina os policiais para o combate e, não, para proteger o cidadão. Ele é treinado para eliminar o criminoso”, explica o professor. Com a desmilitarização, o foco da polícia seria a cidadania e os direitos civis, favorecendo abordagens mais humanas. Por fim, seria extinta a Justiça Militar.
Cautela. Nesse processo, entretanto, é preciso ter cautela. O professor Roberto Kant de Lima, do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), alerta que somente a desmilitarização não é suficiente. “A polícia, de uma maneira geral, tem um comportamento ostensivo. Ela atua somente quando os conflitos se tornam policiáveis, e o trabalho de administração de conflitos é deixado de lado”, explica.
Para ele, deve-se ter o cuidado de não deixar de lado outro fator de muita violência e desigualdade, que é o treinamento da Polícia Civil brasileira, e recomenda que se pense conjuntamente. “Tem que haver uma transformação na missão, na ideologia da polícia”, defende.
PECs da desmilitarização no Brasil
Existem no Brasil duas Propostas de Emenda Constitucional (PEC) em tramitação que propõem ou possibilitam a desmilitarização da polícia.
PEC 432/2009 – A proposta, em tramitação na Câmara dos Deputados, visa à unificação das polícias Civil e Militar dos Estados e do Distrito Federal, além da desmilitarização do Corpo de Bombeiros. O documento também pretende dar outras funções para as Guardas Municipais.
PEC 102/2011 – Permite que cada Estado opte por unificar suas polícias em uma única corporação civil, que terá funções de polícia judiciária, apuração de infrações, polícia ostensiva, administrativa e preservação da ordem pública. A PEC está em tramitação no Senado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário