15/05/2013 às 6:37
Sim, eu acho que duas pessoas devem ter o direito de fazer o que lhes der na telha, no ambiente apropriado (a restrição vale para homos e héteros), desde que não envolva crianças — eu imporia também restrição à presença de bichos — e que não seja forçado. “Que católico é você?”, já me perguntaram. Ora, um católico que reconhece que, se sexualidade fosse escolha, todo mundo escolheria ser hétero. Simples assim. Adiante. Dito isso, é preciso anunciar o óbvio, que não será dito porque a imprensa ou tem medo do lobby gay ou é sua companheira: a decisão do CNJ, que obriga os cartórios a realizar casamentos homossexuais, é escandalosamente inconstitucional. Desde quando o Conselho Nacional de Justiça, QUE É UM ÓRGÃO DE CONTROLE EXTERNO DO JUDICIÁRIO, TEM ESSE PODER? É uma exorbitância, um absurdo. Essa é tarefa do Congresso. Digamos que este deixasse de cumprir um preceito fundamental da Constituição, aí cumpriria que outra instância do Judiciário interviesse — jamais o CNJ.
Não! O Supremo Tribunal Federal não “legalizou” o casamento gay, não criou o casamento gay, não regulamentou o casamento gay. Até porque não é sua atribuição. O que fez foi reconhecer a união homossexual como união estável. É coisa correlata, sim, mas diferente. O resto, ficou evidente, cabe ao Congresso fazer.
Tanto é assim que há um projeto de lei e uma PEC no Legislativo. O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) apresentou a segunda, alterando a redação do Parágrafo 3º do Artigo 226 da Constituição, que estabelece o seguinte:
“§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
Notem: ainda que, parece-me, isso tenha mesmo de ser mudado em face do que decidiu o Supremo, a mudança é inócua porque, por unanimidade, o tribunal decidiu reconhecer como constitucional a união homoafetiva. O que isso quer dizer? Ora, no padrão anterior, se alguém apresentasse um projeto de casamento gay, a CCJ de qualquer uma das duas Casas do Congresso poderia declarar a sua inconstitucionalidade. Agora não é mais inconstitucional.
Mas atenção! Nem tudo aquilo que não é inconstitucional — e se trata, se me permitem, de um conjunto infinito — está regulamentado em lei. E quem cria as normas, segundo os parâmetros da Constituição (ou segundo a interpretação conforme a Constituição, feita pelo Supremo) é o Congresso. Não é por outra razão que há um projeto de lei da senadora Marta Suplicy (PT-SP) prevendo que a união estável entre homossexuais seja reconhecida pelo Código Civil, com possibilidade de ser convertida em casamento.
Baguncismo
Quando um órgão criado para funcionar como controle externo do Judiciário decide assumir o papel de legislador, algo de muito ruim está em curso. E, vocês verão, desta vez, prevejo que Renan Calheiros (PMDB-AL) e Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), respectivamente presidentes do Senado e da Câmara, não vão reagir porque, afinal, se trata de comprar uma briga com um setor bastante influente na imprensa.
Digo de novo: não tenho nada contra o casamento, como não tinha quando o Supremo estava decidindo se, na prática, igualava ou não as uniões. Achei, e sustento ainda, aquela decisão formalmente absurda porque tomada contra a letra da Constituição. Mas, vá lá, admita-se, com alguma largueza, que outros princípios da Carta ainda consigam explicá-la. Desta feita, não! Os cartórios estão submetidos ao Poder Judiciário, sim (não ao CNJ). Mas o Poder deve cuidar das regras de funcionamento para adequá-los à lei. Não mais do que isso. Também desse ponto de vista, trata-se de uma exorbitância.
Ainda que todos sejamos favoráveis a que todos tenham todos os direitos que todos querem (não cabe mais um “todos” na frase), isso deve ser feito segundo as regras, segundo as leis. Nesse caso, sim — e não no da liminar que suspendeu um projeto inconstitucional —, o Congresso está tendo solapada uma prerrogativa: a de legislar (ou a de decidir sobre proposta legislativa encaminhada pelo Executivo).
A decisão é inconstitucional. Se alguém recorrer ao Supremo com uma Reclamação ou uma Ação Direita de Inconstitucionalidade, duvido que não seja bem-sucedido. Se não for, pior para o país, que estará metido no baguncismo. Tendo a achar, diga-se, que uma proposta como a de Marta Suplicy tem tudo para ser aprovada. Se for, não vou achar ruim — embora compreenda as opiniões contrárias e concorde que casamento não é um direito natural, mas um pacto social, e a sociedade tem o direito de opinar, sim. Mas sou favorável. Ponto. O que não dá para endossar é que o CNJ, que não foi eleito pelo povo para legislar, resolva avançar sobre uma competência do Congresso.
Até porque, reitero, O UNIVERSO DAS COISAS NÃO INCONSTITUCIONAIS é infinito. E nem por isso todas as coisas não proibidas estão regulamentadas em lei. Imaginem, agora, se o CNJ resolver se entregar ao desfrute de preencher essas lacunas…
Má-fé, ingenuidade ou ignorância?
Aqui e ali, já se destaca que a bancada evangélica protestou, é contra etc. e tal. Bem, o leitor tem de se precaver da má-fé, da ingenuidade ou da ignorância. Em primeiro lugar, os evangélicos têm o direito de ser contra. Em segundo lugar, não se devem usar eventuais restrições de natureza religiosa para esconder a escandalosa inconstitucionalidade da decisão, e essa questão é muito mais importante do que a primeira porque diz respeito à forma como o país lida com as leis e com as instituições.
Ao longo do tempo, as opiniões, os valores, as escolhas podem ir mudando. Certamente há hoje mais gente favorável no Brasil ao casamento gay do que há 10 ou 20 anos. Até porque o lobby é forte e poderoso. O que é muito ruim — para gays, héteros, brancos, pretos, altos, baixos, anões, míopes, belos, feios, remediados, pobres, ricos, amantes de comida japonesa e gente que odeia comida japonesa — é que se mandem as leis, a Constituição e as instituições às favas, ainda que sob o pretexto de fazer justiça e proteger as minorias.
Texto publicado originalmente às 22h29 desta terça
Por Reinaldo Azevedo
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