08 de Janeiro de 2013 - Juiz de Fora
Por Marcos Araújo e Bárbara Riolino
No meio da tarde, com sol a pino, dois homens e uma mulher consomem droga, próximo à esquina da Rua José Calil Ahouagi com a Benjamin Constant, no Centro. Seguindo a linha férrea até perto do Terreirão do Samba, outro homem sentado, em meio ao mato, atrás do muro que separa a via pública da ferrovia, também usa entorpecente. O cenário flagrado pela Tribuna pode ser observado no quadrilátero formado pelas ruas José Calil Ahouagi, Benjamin Constant, Professor Oswaldo Veloso e Deputado Oliveira Souza, além das vias Francisco Maia e Padre Júlio Maria, e já se estende para outras áreas da região central, como as margens do Rio Paraibuna. A preocupação é a transformação desses espaços ocupados por homens e mulheres, muitas vezes moradores de rua, em "cracolândias". No entorno da Calil Ahouagi também é possível constatar acúmulo de lixo em diversos trechos, que é provocado por carroceiros e catadores de papel na hora de selecionar o material. No muro rente à linha de trem há diversas marcas de vandalismo formando aberturas, tanto na parte de concreto quanto no alambrado, por onde usuários entram para utilizar droga.
Toda esta situação é agravada pela frequência de registros de agressões, furtos e assaltos como o ocorrido em setembro quando um adolescente de 17 anos foi agredido por um grupo de jovens, na José Calil Ahouagi. O rapaz foi encontrado caído na rua, inconsciente, com traumatismo craniano e escoriações pelo corpo.
À noite, o medo faz parte da rotina de motoristas e pedestres que precisam passar pelo cruzamento da Avenida Francisco Bernardino com a Rua Benjamin Constant. Conforme trabalhadores da área, os pedintes reúnem certa quantia e vão em direção ao Vitorino Braga, de onde retornam com crack. A droga normalmente é consumida na madrugada, na Rua Francisco Maia. "Podemos ver pessoas em atitude suspeita, brigas e tráfico de drogas. As árvores e os canteiros da rua são utilizados como esconderijo", diz um morador da Calil Ahouagi, 38. Outra moradora, 41, também reclama da sujeira deixada na rua. "É uma imundice que fica nas portas dos prédios e das lojas. Temos que limpar restos de urina e fezes para afastar o mau cheiro." Um frentista contou que, além de usuários de drogas, há os consumidores de bebidas alcoólicas. "Eles chegam aqui no posto com garrafas pets e pedem o álcool combustível. Eles dizem que misturam água no álcool da bomba para beber."
Sujeira, sexo e intimidação
As cenas de pessoas consumindo álcool e drogas também se repetem nas duas margens do Rio Paraibuna. Casais são flagrados fazendo sexo em plena luz do dia. A situação deixa moradores, comerciantes e pedestres inseguros, já que há suspeitas de que alguns desses indivíduos possam estar envolvidos em crimes de furto. A maior presença desses grupos se dá entre a Ponte Nelson Silva, no Bairro Poço Rico, Zona Sudeste, até a Ponte Arthur Bernardes, na Rua Halfeld, Centro. Entretanto, a mesma situação se prolonga até a Ponte Pedro Marques, no Manoel Honório, região Leste, na interseção das avenidas Rio Branco e Brasil. Além da sujeira, é possível encontrar latas utilizadas como fogareiro, colchões, roupas, restos de comida, carrinhos de supermercado, copos e garrafas. Durante a noite, nos semáforos ao longo da Avenida Brasil, também há pessoas pedindo dinheiro. Os sinais são ocupados por mais de um indivíduo. "Para os motoristas, é perigoso. Temo que o carro seja cercado e eles tentem nos render", reclama uma condutora, 25.
Trabalhadores e proprietários de estabelecimentos comerciais próximos a estas áreas ocupadas se dizem vulneráveis e cobram políticas tanto de segurança pública como assistenciais para que haja o resgate desses desassistidos. "Além do consumo de álcool, tem o uso de crack. É uma situação que deixa a gente com medo. À noite, eles saem da beirada do rio e vão dormir próximos às portas de aço do comércio do outro lado da rua", afirmou o proprietário de uma loja, 60. Uma funcionária, 48, do mesmo estabelecimento, se diz preocupada com o cenário que está se formando. "De tarde, com sol quente, já presenciei um casal fazendo sexo. Teve gente que quis chamar a polícia."
Entre as pontes Nelson Silva e Arthur Bernardes, um grupo sentado às margens do rio ocupa o espaço como se o local fosse uma casa improvisada, deixando muita sujeira, além de restos de caixas de madeira, cobertores e utensílios utilizados para fazer comida. O funcionário, 59, de uma loja que funciona em frente ao ponto, conta que já viu membros do grupo, munidos com cabo de vassoura, pedindo dinheiro para as pessoas que caminham na calçada. "Os pedestres ficam intimidados com o pedaço de madeira e acabam dando alguns trocados."
'Vamos ter que mudar de trajeto'
Um casal foi retirado pela Polícia Militar de dentro do Paraibuna, na tarde do dia 21 de dezembro. O flagrante foi feito na altura da Ponte Antônio Carlos (na Rua Carlos Otto), no Poço Rico. No momento do fato, os termômetros marcavam 28 graus. Ao que tudo indica, eles estariam tentando se refrescar do calor. Para quem pratica caminhada na calçada às margens do rio, no entanto, o caso precisa de intervenção pública. Uma secretária, 25, moradora do Bairro de Lourdes, que costuma caminhar pelo trecho, contou que foi abordada por uma mulher e ficou com medo. "Ela me pediu dez centavos, e eu disse que não tinha. Vi que ela estava com diversas outras pessoas, que estavam mais afastadas. Fiquei com medo de todos eles virem contra mim. A situação é horrível. Costumo passar aqui com minha amiga, mas está ficando perigoso. Vamos ter que mudar o trajeto."
Um auxiliar administrativo, 38, que também faz caminhadas, comentou que já foi abordado diversas vezes. "Eles sempre pedem dinheiro. Com medo, a gente acaba dando. Já observei que, depois que juntam certa quantia, eles se dirigem para as ruas que dão acesso aos bairros da redondeza. Pode ser que estejam indo buscar drogas ou até mesmo cachaça nos mercados próximos." Seguindo pela margem até a Rua Benjamin Constant, na Praça Doutor João Felício, no Vitorino Braga, as reclamações são semelhantes. Segundo comerciantes, todos os dias, é possível perceber a movimentação de pessoas que circulam entre a margem do Paraibuna e a praça, onde fazem o consumo de álcool. Geralmente, são homens e se dividem em duplas ou trios. "Sinto-me intimidada. Minha cunhada já foi agredida verbalmente por um deles, quando se recusou a dar dinheiro", disse a proprietária de uma loja nas imediações, 32. "Já não deixo dinheiro na loja, pois tenho medo de assalto." Outra comerciante, 30, que recentemente abriu um estabelecimento no local, também reclama do desconforto com a situação. "Eles ficam olhando e acompanhando nossa rotina. O esposo da minha sócia já precisou ficar um dia inteiro aqui para que nos sentíssemos mais seguras."
'Desapropriação do caráter de cidadão'
Na visão do psicólogo Michael Moura, problemas mentais, sociais e até particulares podem levar alguém a se tornar um morador de rua e, consequentemente, ter acesso ao álcool e outras drogas. "A maioria das pessoas que ficam às margens dos rios é usuária de álcool. Sem dúvida, esta é a droga mais utilizada, embora ela não destrua tão rápido quanto o crack. Geralmente, indivíduos associados ao tráfico de drogas procuram os lugares baixos das cidades, como as margens dos rios que, historicamente, são considerados 'submundos', por serem locais fáceis de esconder e dispensar as drogas. Estas condições propiciam outras práticas como prostituição, transporte de drogas, roubos, furtos e até o comércio destes itens. E, além disso, são locais utilizados também para o sexo e compartilhamento de drogas e bebidas."
Moura ressalta, ainda, que estes indivíduos sofrem da chamada "desapropriação do caráter de cidadão", por não conseguirem reestruturar os laços de utilidade perante à sociedade.
"São pessoas que levaram muitas rasteiras da vida e não conseguem se levantar. Elas também optam por não possuir nenhum vínculo social e produtivo e escolhem viver do trabalho dos outros. É tanto sofrimento que não visualizam um futuro e fazem do álcool uma válvula de escape para esquecer os problemas", ressalta.
Resistência
A coordenadora do Centro de Referência para a População de Rua (Centro Pop), da Secretaria de Assistência Social, Alexandra Rossi, explica que a abordagem é feita diariamente pelas equipes do Centro Pop. Mesmo assim, os profissionais se deparam com a resistência em mudar de vida por parte dos abordados. "Manhã, tarde e noite vamos até estes locais para convencê-los de que existem outras opções de vida e que o município tem condições de oferecer encaminhamentos para a saúde e o mercado de trabalho. O problema é que elas não aceitam nenhum tipo de ajuda e alegam que querem viver desta maneira."
Alexandra ressalta que, mesmo diante das negativas, não há desistência por parte do Centro Pop. "Fazê-los aceitar a mudança é nosso desafio diário. Vamos voltar sempre e oferecer nossos serviços." Uma média de cem pessoas são atendidas por dia na unidade, onde são oferecidos dois lanches, um ticket para almoço no Restaurante Popular e encaminhamento para locais onde podem pernoitar. Outro serviço disponível é o de migração, o qual pessoas que não são de Juiz de Fora recebem passagens para retornar às suas cidades natais. Neste quesito, o Centro faz cerca de 80 atendimentos por mês. O serviço de abordagem pode ser solicitado pelo telefone 3690-7770.
Setores se mobilizam para traçar metas
Representantes da Polícia Militar, da SAS, do Núcleo do Cidadão de Rua, comerciantes e empresários participaram de reuniões com propósito de traçar metas de intervenção na Rua José Calil Ahouagi, durante o mês de novembro. Entre as decisões, ficou definido que a SAS encaminharia correspondência oficial a todas as partes responsáveis, solicitando providências, como a poda de árvores e retirada dos canteiros e bancos no trecho. Como aponta o capitão Jovanio Campos Miranda, comandante da 30ª Companhia, a PM deslocou patrulhamento fixo de bicicletas no entorno, além de realizar abordagens aos usuários do Núcleo e moradores de rua e encaminhamento para o Centro Pop. "Essas ações visam melhorar a sensação de segurança na região. A longo prazo serão desencadeadas ações conjuntas para a limpeza da área, que vive um momento de desordem, que não quer dizer falta de policiamento, mas sim de ações de diversos segmentos."
O militar enfatiza que a comunidade também pode colaborar com o patrulhamento por meio de denúncias ao 190 e ao disque 181.
"Os moradores não devem dar dinheiro ou comida, porque essas pessoas devem ser encaminhadas para locais apropriados de assistência. Sabemos que há indivíduos que permaneciam no local somente para traficar. Já estamos atentos a essa situação e fazendo abordagens, além de realizar um trabalho de repressão qualificada, cujo foco é identificar os autores do tráfico."
http://www.tribunademinas.com.br/cidade/uso-de-drogas-na-area-central-preocupa-comerciantes-1.1212516
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