segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Jovem que nasceu sem língua conta história na UnB

14/01/2013 
Raquel Morais
Do G1 DF
Um ano após ter alta médica, Auristela Silva, de 23 anos, afirma que ter nascido sem língua não a impediu de viver nada. A jovem é um dos únicos três casos registrados na literatura médica, segundo o cirurgião maxilofacial que a acompanhou, Frederico Salles. A história vai ser apresentada em um simpósio na reitoria Universidade de Brasília, na tarde desta segunda-feira (14).

Em um vídeo feito para o evento, o odontólogo mostra a evolução da garota, contando de 1 a 10. Os dois se conheceram em 1995, quando a dona de casa Adriana Silva pediu ajuda para a filha. Na época, a criança engolia com dificuldade, falava mal e apresentava várias lesões no rosto por não conseguir reter a saliva na boca. A alimentação até então ocorria de forma improvisada.

“É uma anomalia incompatível com a vida, e por isso você não consegue ver os casos, eles morrem antes do diagnóstico. Usamos a língua para comer e falar”, diz Salles. “A mãe foi essencial. Como a menina não engolia o leite quando nasceu, ela comprou uma mamadeira de plástico que pudesse ordenhar, alargou o bico e, com a cabecinha da criança entre os joelhos e um pouco inclinada, jogava o leite direto na garganta dela.”

Para a sobrevivência de Auristela, foram realizadas várias cirurgias. A jovem diz não guardar lembranças ruins do tratamento. Viciada em maquiagem, ela afirma que adora brigadeiro e que passeia, estuda e namora normalmente, como qualquer garota. Atualmente ela faz um curso técnico de enfermagem na Escola Superior de Ciências da Saúde.
O primeiro momento é aquele choque, né. Você está se preparando para ter um filho perfeito e de repente você se depara com um problema que no momento é a pior coisa que pode acontecer. Mas, por outro lado, também é bom depois de tudo você ver que você fez o melhor que você pôde. E que deu certo.”dona de casa Adriana Silva, mãe de Auristela

“A época triste foi quando eu era pequena. Meus colegas me chamavam de Maria babona e nas festas juninas meu par sempre sumia. Ninguém queria dançar comigo”, lembra. “Eu me sentia triste, me arrumava toda para dançar quadrilha e chegava na hora era isso: todas as meninas bonitinhas com o seu par e eu dançando com a professora.”

A jovem conta que se prepara para iniciar um estágio em um centro de saúde e afirma não se sentir inferior a ninguém. “Eu sinto que eu sou capaz. Eu nasci assim não foi à toa, é uma oportunidade de aprendizado e eu devo dar valor à vida mesmo com todas as dificuldades. O sol nasce para todos.”

A mãe afirma sentir muito orgulho de Auristela. Segundo a dona de casa, as dificuldades ajudaram toda a família a crescer. O essencial, diz, era sempre conversar com a menina e explicar que tudo que ela enfrentava é normal, já que todas as pessoas têm alguma dificuldade.

“O primeiro momento é aquele choque, né. Você está se preparando para ter um filho perfeito e de repente você se depara com um problema que no momento é a pior coisa que pode acontecer”, conta. “Mas, por outro lado, também é bom depois de tudo você ver que você fez o melhor que você pôde. E que deu certo.”

Entenda o caso
A aglossia congênita foi citada pela primeira vez em 1718, pelo médico e botânico francês Antoine de Jussieu. Até o final de 2012 foram registrados 12 casos da deficiência. Em nove deles, ela estava associada a outras limitações, como a ausência de dedos. De acordo com o cirurgião maxilofacial, Frederico Salles, há apenas três casos em que o paciente nasceu apenas sem a língua – os outros dois ocorreram nos Estados Unidos.

Para a sobrevivência desses pacientes, são necessárias cirurgias que alarguem a mandíbula deles, além de terapias para fortalecer a musculatura da boca. “A criatividade e o amor das mães, que trazem uma força sobrenatural para buscar as soluções para as necessidades das crianças, também fazem total diferença”, explica.

O odontólogo explica que Auristela conseguiu aprender a falar porque os músculos da parte debaixo da boca dela são três vezes mais fortes que o normal e tocam os dentes. A jovem fez acompanhamento com psicólogo, fonoaudiólogo, nutricionista, dentista e dois cirurgiões durante 16 anos.

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