26 de Setembro de 2012 - 07:00
Por Marcos Araújo (colaborou Kelly Scoralick)
Minutos depois, três policiais militares fazem abordagem ao grupo na praça
O tráfico e o consumo de drogas, antes reservados aos becos e às madrugadas, vêm acontecendo de forma cada vez mais escancarada e em plena luz do dia. Moradores de várias regiões de Juiz de Fora denunciam o avanço do problema e a necessidade de mudarem de hábitos e evitarem lugares por conta das drogas. Cansados da situação, alguns afirmam que já não notificam mais os órgãos de segurança pública, optando pela reclusão. Em casos extremos, porém, buscam intervir, tentando acabar com o problema por meios próprios. Esta realidade pode significar, como apontam especialistas, falhas na atuação dos órgãos repressores, apesar das operações que têm sido realizadas para combater a venda de entorpecente. Nos últimos meses, a Tribuna colheu relatos de cidadãos incomodados com o comércio ilegal de entorpecentes tão perto de casa. Entre as denúncias recebidas pelo jornal chama atenção a de um estudante e trabalhador, morador do Santa Luzia, Zona Sul. Indignado, ele, que prefere o anonimato por medo da situação, denuncia o tráfico em diversos pontos do bairro e questiona por que não há mobilização das autoridades para conter o que chama de "fatos aterrorizantes", uma vez que muitos destes locais para venda e uso de tóxico ficam ao redor de uma unidade policial. O estudante mapeou os espaços (ver quadro), onde, segundo ele, é possível ver o tráfico acontecendo frequentemente durante o dia e à noite. As ruas Torreões e Porto das Flores e as Avenidas Ibitiguaia e Santa Luzia aparecem no roteiro do denunciante.
Ainda na região Sul, no Bairro São Mateus, moradores da Rua Doutor Luiz Antônio Vieira Pena contam que a presença de pessoas consumindo drogas é constante, principalmente maconha e cocaína. Segundo eles, a todo o momento, é preciso negociar com os usuários para se respirar ar puro dentro de casa, já que o cheiro forte da maconha penetra os ambientes. Na Zona Leste, no Progresso, nas ruas Augusto Stoppa e Adelina Maria da Costa, o tráfico se dá com a ajuda de crianças e adolescentes, que atuariam como olheiros para alertar sobre a presença da polícia. Traficantes vendem entorpecente ao longo da via sem se importar com os ares repreensivos dos residentes.
No Grama, na região Nordeste, a praça foi tomada por pessoas suspeitas que comercializam e consumem drogas. Mães e pais do entorno do espaço público passaram a proibir os filhos de frequentarem o local. No final da Rua Halfeld, no Centro, moradores denunciam o consumo de drogas diário, em uma gruta aos pés do Morro do Imperador. O local é frequentado por adolescentes, muitas vezes, uniformizados, indicando que as aulas estão sendo cabuladas para a prática delituosa. Quem mora ao redor se sente inseguro e incomodado com o odor de maconha, já que os usuários não fazem questão de se esconder e intimidam a vizinhança.
Morador mapeia áreas tomadas em Santa Luzia
Morador do Bairro Santa Luzia, o estudante que procurou a Tribuna se sente revoltado ao ver as ruas invadidas por grupos de infratores. "Não dá para entender por que fatos tão aterrorizantes acontecem tão perto de uma companhia da PM. Adolescentes estão sendo levados para o mundo das drogas, seja como consumidores ou 'mulinhas do tráfico'. Tudo o que está acontecendo é por causa da omissão das forças de segurança e da impotência das leis", protesta o rapaz. Entre os pontos que ele situa no mapa encaminhado ao jornal, a Rua Torreões, chamada de "ponto crucial do inferno", é a que mais o preocupa, pois termina em um escadão de acesso ao Cruzeiro do Sul. "Um grande número de crianças presencia tudo, pois traficantes e consumidores não respeitam ninguém", afirma, lembrando que há uma escola perto. A reportagem esteve lá e confirmou a existência de jovens supostamente comercializando droga na rua. O grupo desceu do escadão e se dirigiu até a esquina, onde entregou um embrulho suspeito a um homem.
Já no São Mateus, um funcionário público, 47 anos, morador da Rua Doutor Luiz Antônio Vieira Pena, afirma que usuários de entorpecentes tomam a frente da casa dele nos fins de semana. "Frequentemente ligamos para a polícia, mas o patrulhamento não vem. Acabo tendo que conversar com estes indivíduos e solicitar que se retirem. Temos criança e adolescente em casa. A sala e o quarto ficam tomados pelo cheiro da droga, que impregna parte da casa. É preciso ligar o ventilador para que meu filho de 6 anos não sinta o cheiro." O grupo usa o capô de veículos e o muro das casas para cheirar cocaína.
No Manoel Honório, região Leste, o consumo e a venda de drogas são realizados em um trecho entre as ruas Eugênio Fontainha e Professor Francisco Faria. A Tribuna ficou por cerca de uma hora acompanhando a movimentação no local. Um rapaz ficou ali por uns instantes, aguardando a passagem de outros. Com a chegada de outro homem, eles conversaram. O primeiro se dirigiu a um carro estacionado na Rua Professor Francisco Faria. Ele encostou no veículo e abriu a tampa do tanque de gasolina, recolhendo o que parecia ser droga. Um terceiro homem subiu a via a pé, e os dois fizeram a troca de um objeto. Um carro da Polícia Civil desceu a rua, mas os homens não levantaram suspeita. Depois da negociação, eles se dispersam e ocupam pontos diferentes. "Aqui a droga corre a noite inteira. A gente já até sabe e evita passar por perto", diz uma moradora.
Ainda na Zona Leste, moradores das ruas Augusto Stoppa e Adelina Maria da Costa, no Progresso, estão cansados de acompanhar a rotina de crianças e adolescentes com celulares nas mãos, atuando como olheiros. "Estes garotos são usados para avisar o traficante sobre a presença policial. É uma situação revoltante", afirma um residente, acrescentando que os traficantes amedrontam a comunidade. "Andam com fincos, facas e até revólveres."
Fragilidade da repressão incita mais casos
Pesquisa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Drogas, divulgado no último dia 6, aponta o Brasil como o segundo maior consumidor de cocaína do mundo. Pelos menos 2,8 milhões de pessoas no país já usaram o entorpecente de forma inalada ou fumada - via consumo de crack ou oxi -, nos últimos 12 meses. Estes números colocam o país atrás apenas dos Estados Unidos, onde 4,1 milhões usaram a droga no último ano.
Para o coordenador do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da PUC Minas, Luiz Flávio Sapori, o consumo de drogas de forma aberta, sem receio de algum tipo de fiscalização, é mais ligado ao usuário de crack, uma vez que este tem característica diferente de consumidores de outros entorpecentes, pois se importa menos com o controle externo. Como Sapori aponta, esta realidade é comum em cidades de médio e grande porte, e Juiz de Fora se encaixa neste cenário. Já a comercialização e o uso de outras substâncias ilícitas, conforme o especialista, pode ratificar a reclamação dos cidadãos sobre falta de ação repressiva. "A venda e o consumo de maconha e de cocaína, por exemplo, exigem algum tipo de contenção devido à repressão. Se isso vem acontecendo em via pública e à luz do dia, a explicação está na diminuição do fator repressivo, denotando que existe falha na ação policial."
Conforme o presidente da OAB de Juiz de Fora, Wagner Parrot, a população, para resolver o problema que se apresenta perto das residências e a olhos vistos, só pode recorrer ao aparato de segurança pública, que se faz presente na sociedade por meio das polícias Militar, Civil e Federal. "O grande problema é que existem muitas denúncias, e não se veem muitas ações para combater o problema. Na Polícia Civil, por exemplo, a defasagem de policiais é gritante. Isso, com certeza, prejudica a apuração dos fatos. Quando não há meios de se contar com este aparato do Estado, que é o legítimo, a população começa a fazer justiça com as próprias mãos. As pessoas se armam para se defender e recorrem até a linchamentos."
Abuso em praça mesmo com ações policiais
No dia 8 de setembro, a Tribuna acompanhou cerca de dez jovens, consumindo maconha, na Praça Menelick de Carvalho, na região central. O espaço público também é apontado pelos moradores como ponto frequente para uso de drogas, afastando a vizinhança. Neste dia, todavia, houve intervenção da Polícia Militar. Durante quase uma hora, a reportagem observou o grupo. Os rapazes prepararam o papel de seda, enrolaram dois cigarros e os acenderam. A droga passou a ser tragada por mais de uma pessoa, em meio à movimentação da praça e sem a preocupação com quem circulava. Depois de quase 30 minutos, surgiram três policiais militares de motocicletas e abordaram as pessoas, que passaram por revista. O consumo de entorpecente na área já tinha sido mostrado pela Tribuna em abril. Cinco meses depois, o cenário parece não ter mudado. O delegado regional da Polícia Civil, Paulo Sérgio Virtuoso, considera que uma das causas dessa prática às claras de uso de drogas é a mudança da legislação. "Com a Lei 11.343/2006, o usuário não é mais visto como alguém que transgride a lei ou comete crimes. A descriminalização do uso de drogas favoreceu a sensação de impunidade destes usuários." Quanto ao tráfico, ele informou que todas as distritais da 1ª Delegacia Regional de Polícia Civil têm como prioridade o combate ao tráfico e aos crimes dolosos contra a pessoa, principalmente o homicídio. Desta forma, vários levantamentos estão em andamento através de investigações detalhadas no sentido de identificar os traficantes, materializar o crime e representar por mandados de busca e apreensão e de prisão dos envolvidos.
De acordo com a major da PM, Kátia Morais, que responde pela assessoria de comunicação da 4ªRegião da PM, no que se refere a denúncias de consumo de drogas em via pública, a população deve ligar para o 190, já que a corporação tem o dever de se deslocar até o local para averiguar a situação. "É preciso verificar, pois pode haver menores sendo utilizados para comercializar e até pessoas foragidas, por isso é importante o deslocamento da viatura. Já nos casos do usuário, a PM adota como procedimento a apreensão e o encaminha para delegacia. Se esta providência não está adotada, pode estar acontecendo de algum atendente do 190 estar passando informações erradas. Vamos olhar essa situação e tomar medidas cabíveis", afirmou a militar. Quanto ao tráfico, ela ressaltou que, ao longo do ano, várias ações são desencadeadas a fim de combater o comércio ilegal com apreensão de vasto material (ver quadro). "Realizamos operações conjuntas com as polícias Civil e Federal, além de fazermos um trabalho de mapeamento das áreas onde o tráfico acontece. Esses dados são repassados às unidades da PM, para que iniciativas de combate sejam realizadas nestas áreas. A população pode contribuir por meio do disque 181."
Fonte:http://www.tribunademinas.com.br/cidade/trafico-altera-rotina-em-bairros-1.1160657
Fonte:http://www.tribunademinas.com.br/cidade/trafico-altera-rotina-em-bairros-1.1160657
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