Publicado em 28 de dezembro de 2020 por Tribuna da Internet
Sarah Teófilo e Renato Souza
Correio Braziliense
Pressão é a palavra-chave que domina os bastidores da mais alta Corte de Justiça do país. Em 2020, além dos temas políticos espinhosos, o Supremo Tribunal Federal (STF) teve papel fundamental no combate à pandemia de coronavírus. Enquanto governadores e prefeitos defendiam medidas de isolamento social, fechamento do comércio para evitar uma maior disseminação do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro editou decretos ampliando atividades consideradas essenciais, que devem funcionar mesmo em situação de calamidade pública, aprovada pelo Congresso.
Mais recentemente, os ministros do Supremo se debruçaram sobre outro problema grave na pandemia: o plano de vacinação nacional.
FAZENDO COBRANÇAS – Além de determinar a vacina como obrigatória, mas não forçada aos brasileiros, a Corte tem cobrado do governo federal planos e prazos referentes ao processo de imunização no Brasil, que já está atrás de 15 países na aplicação emergencial das doses.
Durante a crise sanitária de 2020, não foram poucas as ocasiões em que o STF teve de se posicionar. Em março, o presidente Bolsonaro chegou a incluir igrejas entre as atividades essenciais durante a pandemia. O Supremo foi chamado a se manifestar em ações apresentadas por partidos políticos, estados e entidades da sociedade civil.
A Corte decidiu que União, estado e municípios têm responsabilidade concorrente para manter a saúde coletiva. Com isso, governadores e prefeitos receberam a chancela da Corte para impor medidas restritivas, como o fechamento de estradas, empresas e atividades coletivas. A União, de acordo com o entendimento dos ministros, pode atuar para intensificar as medidas sanitárias e proteger a saúde das pessoas, mas não atuar em contrário.
DIZ O DECANO – Ao Correio, o ministro Marco Aurélio Mello, decano da Corte, afirma que o tribunal tem a última palavra em relação aos ditames da Constituição. Ele destaca que deve haver harmonia entre os Poderes, mas que o Judiciário não pode ser objeto de consulta do Executivo ou das instituições.
“O diálogo é relativo, pois não cabe aconselhamento. O Judiciário não é órgão consultivo. Ele não pode querer ombrear com o administrador. Então, isso aí tem que ser tocado com muita parcimônia. Não dá para se atuar de cambulhada. O caso concreto deve ser examinado. Agora, o papel do Supremo é único. Ele é guarda maior da Constituição Federal. Todos nós, cidadãos, somos guardas da Constituição. Mas, o Supremo tem um papel decisivo, inclusive, ele fala por último”, diz o magistrado.
INVASÃO DE COMPETÊNCIA – O ministro explica que a Justiça deve tomar o cuidado de não invadir a competência do Executivo e Legislativo, mas que a interferência pode ocorrer para proteger direitos garantidos na carta magna.
“Lembro que o primeiro caso que tivemos em que nós interferimos foi na Turma. A situação concreta era sobre escolas públicas no maior estado da federação, que é São Paulo, que não tinham rampas para cadeirantes. Quer dizer, um ato omissivo do Estado. Ele proporcionava aulas aos cadeirantes, e também aos alunos que não tinham limitação ao ato de ir e vir, mas, aí, não viabilizava. Pois, o cadeirante ou deixava de ir para a sala de aula, já que não tinha rampa, ou precisava ser carregado no colo. Aí nós interferimos. A interferência do Judiciário é sempre exceção, não é a regra. Deve haver premissa que revele desrespeito à lei das leis, ou seja, a Constituição”, completa Marco Aurélio.
CAUTELA DE FUX – Escolhido para ocupar a Presidência da instituição máxima da Justiça pelos próximos dois anos, o ministro Luiz Fux disse, logo na posse, em setembro, que pretendia tirar o Supremo dos holofotes. E criticou o chamado “protagonismo deletério” do Judiciário na vida política.
Ao definir a agenda do primeiro semestre de 2021 na Corte, o presidente do STF evitou assuntos polêmicos, como a constitucionalidade do juiz de garantias, aprovado no pacote anticrime, e a legalização do uso de todas as drogas. Ambos os temas estão em tramitação no Tribunal.
No caso dos entorpecentes, o julgamento já foi iniciado e aguarda apenas a continuidade.
PROTAGONISMO – Durante um balanço de 100 dias à frente do Supremo, o magistrado disse que para 2021 a intenção é de que a instituição não seja o ator principal no palco de Brasília.
De acordo com Fux, temas que deveriam tramitar no Legislativo foram parar no gabinete dos ministros, o que, na visão dele, representa um problema. “Esse protagonismo foi muito ruim para o Poder Judiciário. Qualquer problema que surge, eles não resolvem na arena política própria,” declarou Fux. Apesar do entendimento do ministro, o Tribunal não teve como fugir de um tema controverso que deve ser julgado no primeiro mês após o recesso. Em 24 de fevereiro, os ministros devem se reunir para avaliar como deve ser o depoimento — se pessoal, ou por escrito — do presidente Jair Bolsonaro no inquérito sobre suposta interferência na Polícia Federal.
ESQUECIMENTO – Antes, em 3 de fevereiro, a Corte de Justiça vai tratar do direito ao esquecimento. Neste caso, a decisão é se cidadãos podem ter o nome esquecido (ter a divulgação interrompida) por veículos de comunicação e apagado da internet quando eles estão ligados a fatos que já foram julgados pela Justiça e tiveram as penas cumpridas. Ou ainda se vítimas de crimes podem ter a identidade desvinculada dos fatos.
No dia 10 do mesmo mês, o Supremo debate a venda de bebidas alcoólicas em estádios e rodovias; em abril, tipicidade penal da conduta de exploração de jogos de azar; ainda no dia 7 de abril, julga ação sobre redução do ICMS no Espírito Santo; e, em junho, avança nos temas da reforma trabalhista.
Também estão previstas ações relacionadas à pandemia de coronavírus e regulamentação do direito de resposta. Também devem ser debatidos a comercialização de testes psicológicos por psicólogos e se o Estado deve garantir o direito à creche e pré-escola para crianças de 0 a 6 anos.
NOVO INTEGRANTE – Os desafios do Supremo, em 2021, não se limitam à pauta. A Corte volta do recesso sob a pressão da escolha de um novo integrante. O ministro Marco Aurélio Mello deixa o posto em 1º de julho, mas, nos bastidores, a movimentação no Executivo, no Legislativo e no Judiciário se inicia assim que as atividades políticas recomeçarem na capital.
Desta vez, o presidente Jair Bolsonaro promete escolher um nome controverso, que agrade o eleitorado e tenha como forte característica a vocação religiosa. A primeira vaga aberta na gestão Bolsonaro foi preenchida por Kassio Nunes Marques. De perfil garantista, o nome agradou a setores políticos de Brasília. Na semana passada, antes do recesso, Nunes Marques anulou um trecho da Lei da Ficha Limpa, em decisão que ainda será submetida ao plenário.
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