Por GABRIEL RODRIGUES
06/07/20 - 03h00
Casos de óbito por doenças cardiovasculares sem diagnóstico exato subiram 31% no Brasil; em MG, o aumento de cerca de 6,5%
Foto: Pixabay
Durante a pandemia de coronavírus, um a cada cinco óbitos por problemas de saúde em Minas Gerais foi em casa. Em três meses, cerca de 7.000 pessoas faleceram em domicílios, crescimento de 23,7% em relação ao mesmo período de 2019. No Brasil, esse aumento é de 30,7%, somando mais de 68,5 mil mortes neste ano. Na perspectiva de médicos, o avanço reflete o temor de pacientes em procurar hospitais e contrair Covid-19 e a subnotificação de casos.
Ainda que as mortes por Acidente Vascular Cerebral (AVC) e infarto tenham registrado diminuição durante a pandemia, os casos de óbito por doenças cardiovasculares sem diagnóstico exato tiveram um salto de quase 31% no Brasil — em Minas, o aumento de cerca de 6,5%, abarcando quase 2.200 pessoas. Considerando apenas as mortes em casa, o número aumentou 88% no Brasil e 31,7% em Minas. As doenças cardiovasculares são as que mais matam no país.
Os dados são de um levantamento da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen) e consideram os registros de morte em cartórios no período de 16 de março a 15 de junho, atualizados até a tarde do dia 1º de julho. Como os dados são constantemente atualizados, eles podem variar diariamente.
Para um dos organizadores da iniciativa, o cardiologista Bruno Ramos Nascimento, professor da UFMG, os números refletem a tendência de menor procura pelas consultas preventivas durante a pandemia. “O paciente está procurando menos o sistema de saúde ou tendo menos acesso a ele, e, com isso, há menos diagnóstico do problema cardiovascular que ele tenha. Ele acaba falecendo de causa cardiovascular fora do hospital e sem diagnóstico”, aponta.
Ele lembra que a Covid-19 também está associada a danos cardiovasculares e que o aumento de óbitos com registro de doenças do coração pode indicar subnotificação das contaminações por coronavírus.
O cardiologista Augusto Vilela, que atende na Rede Mater Dei e no Hospital Belo Horizonte, diz presenciar de perto o receio que os pacientes têm em procurar um hospital durante a pandemia, chegando a risco de morte. “Tenho um paciente que já teve três infartos. Ele começou a sentir dor no peito em casa e comentou com a esposa, que disse para procurarem o médico. Mas ele começou a falar que melhorou, porque estava com medo de ir ao hospital e, quando a dor piorou, em um final de semana, teve que chamar o Samu e ir direto para o cateterismo. Ele me disse que pensava em procurar um médico quando a pandemia estivesse melhorando. O medo está deixando os pacientes cegos”, conta.
Respostas
Questionado sobre o aumento de mortes em casa no Brasil, o Ministério da Saúde respondeu, em nota, que “diante do cenário de pandemia por Covid-19 e com as restrições de circulação, muitos cidadãos podem estar deixando de procurar os serviços de saúde para tratar doenças tão sérias quanto o coronavírus e que não podem esperar”. A pasta reforçou que apoia iniciativas como telemedicina, visitas domiciliares, busca ativa de pacientes que precisam controlar doenças e atendimento em áreas separadas dos casos de coronavírus nas unidades de saúde.
A Secretaria de Estado de Saúde explica que as causas dos óbitos podem ser investigadas até após a morte dos pacientes, o que pode ocasionar uma diferença entre os dados finais da mortalidade em Minas com aqueles registrados nos atestados de óbito.
Demora
O Ministério da Saúde explicou que a consolidação de dados de mortalidade demora até dois anos, mundialmente, a contar da data do óbito.
Câncer: menos 20 mil diagnósticos
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) estima que nos dois primeiros meses da pandemia no Brasil, ao menos 50 mil pessoas tenham deixado de ser diagnosticadas com câncer. Sete a cada dez cirurgias oncológicas foram adiadas ou canceladas.
Os números, corroborados pela Sociedade Brasileira de Patologia (SBP), tomam por base a quantidade de biópsias realizadas em centros de referência ao redor do país: só em um dos que atendem Minas Gerais, o número caiu de 8.402, em 2019, para 1.676 biópsias, em 2020, considerando-se os meses de março e maio.
O presidente da SBCO e professor da UFJF, o médico Alexandre Ferreira Oliveira, destaca que um atraso de quatro meses no diagnóstico ou tratamento de câncer é capaz de levar a consequências incontornáveis. “Pode passar de câncer inicial a intermediário e avançado, às vezes sem possibilidade terapêutica. O número de mortes só vamos saber no ano que vem”, relata.
Gripe
As mortes por gripe também decaíram neste ano. Segundo Ministério da Saúde: a pasta registrou 209 mortes por influenza até maio deste ano, ante os 1.122 óbitos no mesmo período em 2019. Em Minas, 15 pessoas morreram contaminadas por influenza em até junho deste ano – nove infectadas pelo vírus da H1N1.
Casos de dengue sem registro
Os números da dengue também podem estar sendo subdimensionados em meio à pandemia, de acordo com o Ministério da Saúde. Até a primeira semana de junho deste ano, 374 morreram no país devido à dengue – oito em Minas. No mesmo período de 2019, o número de mortes foi quase 80% maior no Brasil, chegando a 659.
“Essa redução (de casos) pode ser atribuída à mobilização que as equipes de vigilância epidemiológica estaduais estão realizando diante do enfrentamento da emergência da pandemia do coronavírus, ocasionando um atraso ou subnotificação para os casos das arboviroses (chikungunya, dengue, febre amarela e zika)”, diz o boletim epidemiológico mais recente do ministério.
O órgão também pontua que os dados do período ainda estão em processo de atualização, o que pode contribuir para subnotificação de casos em todo o país.