Por Amanda Andrade, G1 Zona da Mata
29/04/2020 14h43
HPS em Juiz de Fora — Foto: Reprodução/TV Integração
Entidades de saúde e a Prefeitura revelaram um aumento no número de pacientes do Estado do Rio de Janeiro em busca de atendimento médico na rede pública de saúde de Juiz de Fora. A preocupação é a sobrecarga no sistema de saúde, que já apresenta altas taxas de ocupação de leitos por causa da pandemia do novo coronavírus.
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, do dia 20 de abril até esta quarta-feira (29), 10 pacientes do Rio de Janeiro foram atendidos em Juiz de Fora. Destes, seis foram na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Norte e quatro no Hospital de Pronto Socorro Dr. Mozart Teixeira (HPS). A Secretaria ressaltou que alguns estavam com suspeita de Covid-19.
Para debater a situação, o prefeito Antônio Almas (PSDB) se reuniu na terça-feira (28) com o Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais, Carlos Eduardo Amaral, para solicitar diretrizes para atuação neste caso.
A situação é acompanhada pela Ouvidoria Municipal de Saúde de Juiz de Fora, Conselho Municipal de Saúde e pelo Sindicato dos Médicos da cidade.
Comprometimento na estrutura da saúde
A ouvidora municipal Samantha Boechat informou ao G1 que a situação de fluminenses buscando atendimento na cidade não é recente. Entretanto, com o aumento do número de casos de Covid-19 no estado do Rio de Janeiro, a preocupação dos órgãos de saúde é uma possível superlotação das unidades de atendimento em Juiz de Fora.
A busca por atendimento e tratamento médico se dá pela proximidade de Juiz de Fora com cidades do Rio de Janeiro, como Três Rios, que fica a cerca de 60 km, Volta Redonda, que fica a 182 km, e a capital fluminense, localizada a 184 km de distância.
“Tenho recebido telefonemas e e-mails de pacientes e familiares questionando a assistência de saúde em Juiz de Fora. Nem todos os casos envolvem suspeita de coronavírus. Já tem cerca de três anos que a rede de saúde do estado do Rio de Janeiro está precária e que os pacientes de lá, principalmente da Baixada Fluminense, tem vindo para Juiz de Fora para buscar tratamento que eles não conseguem no local de origem. Com a pandemia, a situação se agravou, sem dúvidas.”, explicou Samantha.
Juiz de Fora também é a cidade referência na Macrorregião de Saúde do Sudeste de Minas Gerais, atendendo cerca de 1,6 milhões de habitantes. No município, o Hospital Doutor João Penido e Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) são referência para tratamento de Covid-19 na Zona da Mata e Campo das Vertentes.
O presidente do Sindicato dos Médicos de Juiz de Fora, Gilson Salomão, ressaltou a preocupação no comprometimento da estrutura de atendimento para a macrorregião.
“As denúncias que nós recebemos tem nos preocupado bastante. Esse fluxo de pacientes que estão vindo do Rio de Janeiro e ocupando os leitos hospitalares de Juiz de Fora pode vir a comprometer a estrutura oferecida não só a população da cidade, mas a população que engloba a macrorregião. Não temos visto, nem por parte do Estado de Minas Gerais, nem por parte da Prefeitura, nenhuma medida que venha a resolver esse problema.”, explicou o médico.
Samantha explicou que alguns pacientes chegam à cidade em estado crítico de saúde e são atendidos na rede primária de urgência e emergência, o que é obrigatório por lei. Porém, há também casos de pessoas que buscam a rede secundária de atendimento, para realização de exames, de média e alta complexidade, atendimentos e cirurgias.
“Eles ligam para a ouvidoria e querem que nós ajudemos a conseguir os atendimentos, a confecção de cartão SUS, e explicamos que não é possível, já que são residentes de outro município, outro estado.”, contou a ouvidora.
A Ouvidoria relatou que fez um pedido formal à Prefeitura de Juiz de Fora para que seja estudada a possibilidade de instalação de barreiras sanitárias nos limites municipais.
“A instalação da barreira não pode ser vista como um ato cruel e desumano, de restrição de atendimento, nem de circulação de pessoas, mas como um ato de assegurar dignidade no atendimento aos pacientes da macrorregião.”, reforçou Boechat.
Em nota, a Prefeitura de Juiz de Fora informou que, durante a conversa entre o chefe do Executivo e o secretário estadual, foi apontado que, se for para realização de atendimento de pacientes de outros estados, o município irá precisar de reforço na infraestrutura, já que o planejamento atual contempla apenas pacientes da macrorregião de saúde.
Sobre a questão de instalação de barreiras sanitárias na divisa entre os estados, a Prefeitura reforçou que a situação é federativa e precisa da interlocução do Governo de Minas Gerais com o Governo do Rio de Janeiro.
O que dizem as secretarias
A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) informou que tem estabelecido diretrizes observando não apenas as orientações do Ministério da Saúde e Organização Mundial de Saúde (OMS), mas também a legislação federal e as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, no contexto do enfrentamento à Covid-19.
Sobre recebimento de pacientes residentes em outros estados, a Secretaria disse por nota que “não houve, até o momento, entendimentos institucionais no sentido de transferência de pacientes com Covid-19, uma vez que seriam necessárias, inclusive, estabilização adequada dessas pessoas para que efetivamente viessem a ser transportadas, o que é complexo”.
A pasta reforçou que Minas Gerais não negará auxílio a outro estado, se for o caso, porém “não é possível estabelecer qualquer compromisso sem a garantia de que a rede do estado estaria em condições de tratar a todos.”
A SES-MG afirmou que acompanhará com atenção aos desdobramentos, de forma a produzir consensos entre os entes envolvidos e a manutenção da capacidade de atendimento da rede estadual.
Sobre a instituição de barreiras sanitárias, Secretaria informou que considera que as barreiras “acabam por funcionar como mecanismos de restrição ao direito fundamental de locomoção”.
A pasta explicou que a Lei Nacional nº 13.979, que estabelece medidas para enfrentamento da emergência de saúde por conta do novo coronavírus, aponta que ações restritivas de locomoção e transporte dependem de parecer técnico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ato conjunto dos Ministérios da Saúde e da Justiça e Segurança Pública.
Porém, a jurisprudência do STF tem manifestado a tendência de que se considere, com maior preponderância, os atos normativos dos municípios, em virtude desses entes terem maior contato com a realidade local.
O G1 procurou a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro que informou, por nota, que a taxa de ocupação da rede pública de saúde, considerando toda as unidades da rede estadual, é de 73% em leitos de enfermaria e 85% em leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).
Ainda conforme a SES-RJ, o número subiu na segunda quinzena de abril, já que as taxas de ocupação eram de 41% e 63%, respectivamente.
Sobre os leitos reservados para pacientes com Covid-19, com exceção do Hospital Regional Zilda Arns, com taxas de ocupação são de 80% na enfermaria e 79% na UTI, e do Hospital de Campanha Lagoa-Barra, onde 28 dos 30 leitos de UTI estão ocupados, a Secretaria informou que todos os outros leitos destinados para a Covid-19 estão ocupados e que há rotativa de vagas ocasionadas por altas, óbitos, além de reservas técnicas de leitos para pacientes internados que possam agravar o quadro clínico, necessitando de UTIs.
A reportagem questionou a Secretaria sobre os relatos de pacientes fluminenses buscando tratamento em Juiz de Fora e qual orientação o Governo do Rio de Janeiro nestes casos, mas não obteve retorno.
O Governo do Rio de Janeiro esclareceu que possui, atualmente, oito unidades de saúde em todo estado voltados para o atendimento do novo coronavírus e que foram abertos , 724 novos leitos para tratamento de pacientes suspeitos ou confirmados da Covid-19 foram em todo o estado do Rio de Janeiro.