Por RAFAELA MANSUR
04/03/20 - 03h00
Padarias evitam repassar reajuste para consumidor final por causa da concorrência acirrada - Foto: Cristiane Mattos
O pãozinho de cada dia pode ficar mais caro no Brasil, que depende de trigo importado. Além da desvalorização do real frente ao dólar, a Argentina, principal fornecedor da commodity, aumentou as vendas para outros mercados, como os países asiáticos, e ficou sem estoque suficiente para atender as necessidades internas e a demanda brasileira. No final do mês passado, os argentinos chegaram a suspender as exportações do cereal, e o preço disparou: de US$ 190 para US$ 240 em 60 dias. Diante desse cenário, o Brasil precisa buscar trigo em outros países, como Estados Unidos e Rússia, e pagar mais por isso.
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), o país demanda sete milhões de toneladas de trigo importado por ano, o que representa 60% do total de consumo. Cerca de 85% do cereal comprado fora vem da Argentina, mas, de uma safra recorde de 19 milhões de toneladas, colhida no final de 2019, o país vizinho já comercializou em torno de 14,3 milhões.
"Foi uma estratégia. Eles passaram a querer depender menos do mercado brasileiro, diversificaram os consumidores e foram bem sucedidos”, afirma o presidente executivo da Abitrigo, Rubens Barbosa. “O que tem lá não é suficiente para atender o Brasil. Não vai faltar trigo aqui, há disponibilidade em outras fontes, mas é preciso começar a se preocupar, porque o abastecimento não é mais automático”, completa.
Segundo a associação, os estoques dos moinhos de trigo brasileiros são suficientes para cerca de três meses. A partir de maio, será necessário buscar a commodity em outros fornecedores, mais distantes e, por isso, mais custosos em termos de frete e logística. Além disso, nas compras de trigo de países fora do Mercosul, há uma cobrança de 10% da Tarifa Externa Comum – o Brasil pode importar apenas 750 mil toneladas por ano sem a taxa.
“O preço do produto ficou mais caro para os moinhos de trigo, e eles terão de aumentar o custo da farinha no Brasil”, afirma Barbosa. Segundo ele, a projeção é que o preço da farinha de trigo suba entre 15 e 20%.
Para analistas da consultoria em agronegócio Trigo & Farinhas, o governo brasileiro pode ter de aumentar a cota de trigo importado livre de taxas. “Paraguai e Uruguai têm uma produção pequena. A outra alternativa, fora do Mercosul, são os Estados Unidos, mas o consumidor terá que pagar bem mais caro”, avaliam. “Essa cota de 750 mil toneladas não é suficiente. É possível que mais tarde, no mês de junho ou julho, o Brasil aumente”, afirmam. Conforme os analistas, os preços de farinha pagos pelas padarias têm subido entre 3% e 8% ao mês.
O proprietário de uma padaria no bairro Serrano, na região da Pampulha, Duílio Vital, conta que, na última compra, pagou R$ 58 por cada saco de 25 kg de farinha e, na próxima remessa, vai desembolsar R$ 62,90. Segundo ele, a previsão é que o preço cresça ainda mais, mas é preciso cautela ao repassar a alta para o consumidor. “A concorrência está muito acirrada e, se o preço sobe R$ 0,10, o pessoal reclama. Mas chega uma hora em que não dá para segurar mais”, diz.
Alta
Os produtores de trigo no país também estão elevando os preços. No Paraná, maior produtor, a tonelada custava R$ 750 em outubro e agora, R$ 1.050, segundo a consultoria Trigo & Farinhas.
‘Setor deve se reinventar’
O preço do trigo deve continuar em alta nos próximos meses, na avaliação do presidente do Sindicato e Associação Mineira da Indústria de Panificação (Amipão), Vinicius Dantas. Para ele, as padarias devem buscar alternativas para repassar o mínimo possível de reajuste para o consumidor.
“Nossos fornecedores, os moinhos, vêm vivendo isso há um tempo. O mercado asiático está comprando trigo argentino, e a baixa produtividade no Brasil leva a uma alta de preço”, afirma. “Eu comprei trigo na última sexta-feira e, hoje, o valor já está tá 5% maior”, conta.
Segundo Dantas, o setor de panificação deve se reinventar. “Vivemos um momento complexo na economia do país, em que temos dificuldade para repassar o custo do produto. Sabemos que chega um momento em que isso fica insustentável, mas o cliente hoje não tem recurso”, pontua, citando alternativas como a oferta de bufês de café da manhã nas padarias. “Nós precisamos, de alguma forma, trabalhar para que o produto final não tenha o custo tão alterado”, completa.
Câmbio
Segundo a Abitrigo, a variação cambial aumentou 9,5% nos primeiros 60 dias do ano, o que levou os moinhos brasileiros a rever a política de preço e repassar os custos adicionais.
Brasil
O Paraná, maior Estado brasileiro produtor de trigo, teve uma quebra de safra de um milhão de toneladas, o que também reduziu a disponibilidade interna da commodity.