24/01/2016 15h34
Brasília
Carolina Gonçalves - Repórter da Agência Brasil
Faltavam apenas cinco anos para atingir a idade mínima para aposentadoria. A contadora Lucélia Rocha ocupava um cargo de gerência em um banco de Teresina, no Piauí, e sabia que perderia grande parte da renda se optasse por parar de trabalhar aos 48 anos. Foram meses fazendo contas, ouvindo sugestões e alertas de colegas. “Mas eu sempre quis aposentar cedo. Não queria me aposentar aos 60 anos. Queria aproveitar para viajar, passar mais tempo com minhas filhas”, conta, acrescentando que não se abalou e garante não se arrepender por ter aberto mão de quase metade do que recebia.
A aposentada Maria Lucélia Alves Rocha Vieira, com a neta
(Maria Lucélia Alves Rocha Vieira/Arquivo Pessoal)
Lucélia começou a trabalhar com 19 anos de idade, casou aos 22, e dois anos depois já tinha a primeira filha. “Não tive tempo para fazer as coisas que gostava, como ler os livros que queria, assistir filmes. Eu estudava muito desde cedo e gostava muito do meu trabalho, mas estava certa que iria parar”, disse. A administradora explicou que se preparou psicologicamente para a aposentadoria e não se arrepende. “Queria qualidade de vida. Não pensava em renda. Hoje tenho minha primeira netinha – Ane – que está com 8 meses e posso passar muito tempo com ela”, disse.
A história da ex-gerente bancária não é comum. Muita gente não tem como contar com a renda do companheiro para optar pela aposentadoria, ou não consegue sequer se desvincular das relações profissionais.
Psicóloga, Eliene Curado, que hoje trabalha como analista de recursos humanos na Câmara dos Deputados, em Brasília, explica que, em muitos casos, as pessoas ficam perdidas nessa fase. Um dos casos é o de trabalhadores que não têm o núcleo familiar como o de Lucélia. “Temos ainda pessoas que todas as relações que mantêm são fruto das relações de trabalho, todos os seus interesses estão relacionados ao trabalho e quando este trabalho não existe mais, ela tem dificuldade de se inserir”, disse.
Eliene é uma das coordenadoras do Programa de Preparação para a Aposentadoria (Proa), criado pela Câmara há seis anos. Ela explicou que já estavam sendo feitos estudos técnicos sobre essa preparação para os servidores, mas que a iniciativa ganhou impulso quando o chefe de um dos setores da Casa pediu ajuda. “Ele percebeu um clima de ansiedade, dúvidas, que estava afetando o trabalho, as relações entre os servidores da sua área que estavam perto de se aposentar e pediu um suporte. Outros indivíduos isolados também nos procuraram”, contou.
Em oficinas semanais e palestras, os funcionários do Legislativo discutem os significados da aposentadoria, para que vençam preconceitos ou proporcionem expectativas, tratam de aspectos da saúde, recebem orientações sobre organização financeira e sobre possibilidades de ingressarem em novos projetos de vida. Recentemente, o programa passou a abordar também a questão da afetividade, sexualidade, até a inserção em redes sociais.
“Quando a gente falava de família, surgiram dúvidas sobre a redescoberta do marido ou da esposa, já que a partir dessa fase eles passam a ter mais tempo juntos e problemas que não eram abordados por falta de tempo, agora devem ser tratados. Ainda têm as pessoas que não têm parceiros e podem conhecer pessoas novas”, explicou.
Anualmente, a equipe faz um levantamento dos servidores que estão prontos para se aposentar e os que poderão parar nos próximos cinco anos. Segundo Eliene, atualmente mil servidores da Casa se enquadram nesses perfis, mas a equipe do programa é limitada e isto impede que o planejamento seja feito com funcionários que estão no início da carreira.
Para Maria Angélica Sanchez, especialista em gerontologia e presidente do Departamento de Gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), as empresas estão investindo mais em programas como o da Câmara, que trabalham com projetos de vida, o que tem garantido uma aposentadoria melhor.
“As pessoas se aposentam aos 65 anos, o que é muito cedo. Precisam de projetos para que aproveitem essa fase de forma mais prazerosa, mas muitos ainda voltam ao mercado de trabalho ainda que de maneira informal”, disse, ao lembrar que a população brasileira hoje tem uma estimativa de vida mais longa e com mais qualidade. Segundo ela, a capacidade produtiva pode ser estendida por um tempo maior do que em anos atrás.
Ainda que os projetos sejam mantidos, Maria Angélica defende que o planejamento para a aposentadoria seja feito já a partir do início da carreira. “Qualquer hora é importante para começar a pensar nisso e não deixar para planejar só na hora que está saindo [do emprego], até pela questão financeira. As pessoas não conseguem mais se aposentar só com seus salários e precisam fazer uma mudança radical do padrão de vida. Não é raro as pessoas voltarem a fazer cursos aos 60 ou 70 anos. Sempre é tempo, mas o ideal é que pensem nisso pelo menos 5 anos antes para se preparar para envelhecer produtiva e financeiramente bem”, completou.
A especialista em gerontologia disse que esse movimento de planejamento precoce ganhou mais velocidade nos últimos dez anos e hoje “as pessoas estão envelhecendo com mais facilidade”.
Sem estatísticas oficiais sobre os casos, Maria Angélica não crava números, mas acredita que a experiência na área mostra que essa nova consciência tem reduzido problemas como a depressão. “As pessoas têm saído do trabalho de forma muito melhor do que antes. A impressão é que com esses programas de preparação de aposentadoria, surgiu uma nova visão de velhice que não é mais significado de perda de tudo, as pessoas têm envelhecido menos tristes”.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram que 23,5 milhões de brasileiros são idosos, pessoas com mais de 60 anos. O número representa mais do que o dobro do registrado em 1991, quando esse universo somava 10,7 milhões de pessoas. Na comparação com 2009, os números levantados em 2011 revelou um aumento de 7,6% de brasileiros nessa faixa etária, ou seja, mais 1,8 milhão de pessoas.
Apesar desse cenário, que tem invertido a pirâmide social brasileira, Wadson Gama, psicólogo social e presidente do Conselho Regional de Psicologia de Goiás, disse que ainda há preconceito e resistência das pessoas em envelhecer e se aposentar. “Velhice em um sistema capitalista faz com que as pessoas se sintam excluídas. Você vive 24 horas vivenciando o trabalho mesmo quando está fora do trabalho e quando sai da vida ativa, se o indivíduo não se preparar para isso, vai se sentir preso nessas palavras e pode chegar à depressão, alcoolismo e suicídio. A vida fica sem sentido para ele”, disse.
O psicólogo, que também é entusiasta de programas de preparação promovidos pelas empresas, orienta as pessoas a descobrir, o mais cedo possível, desejos, talentos e capacidades dentro de projetos viáveis para a nova fase. “É preciso identificar o que realmente é o desejo e o que está na sua governabilidade. Às vezes o indivíduo que tem vivência na fazenda e aposenta e quer ter essa vivência do passado já não consegue mais fazer as mesmas coisas. Tem que observar o que pode realmente fazer e reinventar uma outra história para ter qualidade de vida e um envelhecimento saudável”, alertou.
Edição: Fernando Fraga
Agência Brasil