15/02/2015 16h33 - Atualizado em 15/02/2015 16h33
Entrevistadas destacam força e trabalho feminino nas agremiações.
Resultado surpreendeu responsáveis pelo projeto, feito em 2013.
Roberta Oliveira
Do G1 Zona da Mata
Mulheres assumem várias funções nas agremiações (Foto: Roberta Oliveira/ G1)
As mulheres dão brilho às escolas de samba. Nos desfiles realizados no último final de semana em Juiz de Fora, elas estavam na presidência, na concentração, interpretando os sambas, julgando as agremiações, em diferentes funções no decorrer do desfile e no público que assitia ao evento. Essas histórias ganharam voz e imagem no documentário "Mulheres no Samba de Juiz de Fora", produzido em 2013 e atualmente disponível na internet. O G1 conversou com as universitárias responsáveis pelo projeto e com duas das entrevistadas. Elas são unânimes em apontar que, sem a presença feminina, não haveria folia na cidade nem no Brasil.
“O samba nasceu na casa da Tia Ciata e como hoje as mulheres não aparecem? O documentário propõe a quebra de preconceito. Nós, mulheres, somos mais do que corpos expostos. Nós produzimos e somos a cultura! Temos conteúdo!”, destacou a co-autora do documentário, Samara Miranda.
Elas por elas
Mesmo para quem já foi porta-bandeira, presidente e, neste ano, destaque da escola do coração, ainda é possível estrear no carnaval de Juiz de Fora, como no caso de Regina Rabello. “Estou a caminho da Banda Daki. Nunca saí, mas neste ano vou prestigiar. Ainda mais porque a minha filha estará lá”, afirmou. Regina é mãe de Cristina Rabello, que é a Rainha do carnaval de Juiz de Fora.
Integrante do Partido Alto, Regina reforçou a importância da presença feminina para uma escola de samba. “Em qualquer parte do mundo que tiver carnaval, se não tiver mulher na diretoria ou no povo, não funciona. Nós somos o sexo forte, temos carisma, delicadeza e sabemos contornar situações, desde ajudar nas roupas de uma baiana ou passista, cuidar da cozinha ou mesmo receber as pessoas na comunidade”, reforçou.
Regina Rabello foi destaque no Partido Alto (Foto: Roberta Oliveira/G1)
Entre as várias figuras femininas, ela destacou o trabalho realizado pela presidente da Escola Mirim Herdeiros da Vila, Patrícia Gomes. “Ela está criando uma escola desde a base, em uma comunidade forte. É uma presença social importante na região do Bairro Furtado de Menezes. Dá voz às crianças. Nós, sambistas e que gostamos da escola, precisamos reconhecer iniciativas que garantem o futuro do nosso carnaval”, enfatizou.
Williana Vieira é rainha de bateria da escola Feliz Lembrança e, neste ano, desfilou também na Turunas do Riachuelo e na Mocidade Alegre. “Sem a mulher no samba, não existiria carnaval em Juiz de Fora. Os homens têm papel importante, mas geralmente, nos bastidores, todas as escolas possuem uma mulher de fibra lutando por ela”, frisou.
A presença feminina atingiu setores que antes só contavam com homens. “A mulher é o forte, desde a passista até as alas. Chegamos à bateria. As mulheres foram atrás do direito dela de tocar um instrumento. Foram e fizeram acontecer”, comentou.
Williana ainda destacou que a mulher ultrapassa a beleza e simpatia. “Não é só rosto e corpo bonito. É viver a comunidade, ajudar, criar uma história. Como a Regina Ferreira, que está há anos como rainha da Juventude Imperial, e a dona Nancy, primeira porta-bandeira de Juiz de Fora, na Feliz Lembrança, homenageada pelo Bloco do Beco, que também é uma inspiração”, revelou. Williana Vieira é saudada pelo Rei Momo Ronaldo Golfinho durante o desfile da escola de samba Feliz Lembrança (Foto: Roberta Oliveira/G1)
Preservação da memória
O documentário “Mulheres no Samba de Juiz de Fora” foi feito no segundo semestre de 2013 por Duda Moura e Samara Miranda. O projeto surgiu de uma parceria durante o curso de Jornalismo, como um trabalho para a disciplina Projeto Experimental de Jornalismo, ministrada pelo professor Leonardo Toledo. "Foi desejo mútuo. Na época a Samara vivenciava o mundo do samba na cidade e eu sempre fui uma curiosa. Tivemos esta ideia de mostrar as mulheres, pontuar o que elas passaram e passam pelo objetivo final, e tentar resgatar a história do carnaval, que já chegou a ser considerado o segundo melhor do país, segundo o que ouvimos dos saudosistas”, explicou Duda Moura em entrevista ao G1.
Duda (à esquerda) e Samara (à direita) com Nivalda Barbosa (Foto: Duda Moura/Arquivo Pessoal)
Samara Miranda contou que a experiência com a folia motivou o documentário. “Ele surgiu de experiências e observações minhas. Sentia falta de um registro sobre as mulheres que fazem a cultura. Como sambava, eu observava que, as mulheres quando eram retratadas, eram como símbolo sexual... Mas aquelas que fazem as comidas, as baianas, onde ficam? Foi com o objetivo de dar visibilidade para quem não aparece”, explicou a jornalista.
Gravado em celular, o documentário possui pouco mais de 17 minutos e está disponível na internet. O vídeo mostra relatos de diferentes experiências femininas no samba, em Juiz de Fora. “Puxadora, presidente de escola, ex-rainha de carnaval, musas, porta-bandeira, costureira. Cada uma com sua história e amor pelo samba da cidade. Foi difícil, trabalhoso, complicado. Muitas não puderam participar”, explicou Duda Moura, que dividiu as funções de repórter e produtora. Juiz de Fora precisa se conhecer e se ver! História tem. Preservar o passado é importante e é preciso."
Samara Miranda, jornalista
Entre as entrevistas, algumas proporcionaram lições de vida às produtoras do documentário. “As histórias nos surpreenderam de alguma forma. A que mais me tocou foi a Dona Nivalda Barbosa, que cantava samba com as irmãs e ficaram conhecidas como ‘Irmãs Barbosa’. Elas foram as primeiras puxadoras de escola de samba da cidade. Ela começou a cantar com 15 anos, participando do programa de rádio do apresentador José de Barros. Ver uma senhora que, desde a década de 50, dedica-se ao samba e diz que é a vida dela foi muito lindo e comovente”, contou Duda Moura.
Para Samara Miranda, uma história de superação é o destaque. “Cada história revela um fragmento. As pessoas veem a escola na avenida, mas não sabem o que tem por trás. Acredito que um dos depoimentos mais fortes, é o da dona Hilda. O marido dele foi fundador da escola e não a deixava participar. É uma mostra do machismo e do preconceito que ainda estão entranhados na nossa sociedade”, afirmou.
Duda Moura entrevistou a ex-rainha Leila Petrato
(Foto: Duda Moura/Arquivo Pessoal)
Além da aprovação e da nota dez do professor, as duas organizaram um lançamento para as entrevistadas conferirem o resultado final. “É parte da nossa cultura. O povo brasileiro tem o samba como berço. Ver que minha cidade tem tanta história pra contar e mostrar é gratificante. Mostrar isso é uma honra, um prazer que não tem tamanho”, disse Duda Moura.
Para Samara Miranda, a missão foi cumprida. “Eu acredito que pessoas precisam conhecer pessoas. Eu me tornei passista vendo outras pessoas meninas sambarem. Quando você registra com a visão acadêmica, tira a academia do banco e da comodidade e passa a servir à comunidade”, afirmou.
Ela chama a atenção de outros realizadores, estudiosos e interessados a pesquisarem sobre o tema. “Juiz de Fora precisa se conhecer e se ver! História tem. Preservar o passado é importante e é preciso", concluiu.
http://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/carnaval/2015/noticia/2015/02/documentario-mostra-historias-de-mulheres-no-samba-de-juiz-de-fora.html