17/08/2014 às 6:19
Marina chega neste sábado à casa da família Campos: de preto, como viúva
Marina Silva já é a candidata do PSB à Presidência. E, como é evidente, existe uma onda a seu favor, ainda que nascida da tragédia. De resto, não dá para ignorar: os deuses da floresta a premiaram com um impressionante senso de marketing — chega perto de rivalizar com o do próprio Lula. Em alguns aspectos, pode-se dizer que ela leva certa vantagem: é mais, como direi?, “sensível” do que seu antigo chefe e diz coisas bem mais abstratas e incompreensíveis, o que sempre desperta no ouvinte a suspeita de que pode estar enxergando o que ninguém ainda vê. Renata, a mulher de Eduardo Campos, recolheu-se num decoroso silêncio. Marina ficou com o papel de viúva. Li na Folha, de novo, neste domingo, que foi a outra, com uma roupa floral, quem consolou uma Marina vestida de preto neste sábado. Que coisa! A minha origem é ainda mais pobrezinha do que a da ex-senadora, sabem? Meu sensor antidemagogia dispara nessas horas.
Não tenho paciência, desculpem os encantados, com Marina! O reino que me interessa é deste mundo. E o que não é requer a intervenção de um Ser superior à líder da Rede, a quem não reconheço o papel de intercessora. Repudio o seu comportamento e o seu ar de vestal, como se ela fosse feita de um barro diferente daquele que faz os outros políticos. Não é.
Eu não sei, por exemplo, e ninguém sabe, do que ela vive e quem sustenta o aparato — que não é pequeno! — que a acompanha. Há tanto tempo sem legenda, flanando por aí, a questão é pertinente. Fosse outro, o jornalismo investigativo já teria se ocupado de apurar. Como é Marina, não se toca no assunto. Imaginem se algum outro candidato à Presidência da República tivesse um banqueiro — ou uma banqueira… — pra chamar de seu. Ela tem. O que nos outros seria pecado é, em Marina, tratado como virtude.
A líder do tal Rede, já apontei aqui num post de maio de 2011, é a nossa vestal. Logo será carregada numa liteira. Constituiu-se, com o beneplácito de boa parte da imprensa babona, numa figura notavelmente autoritária da política. Como esquecer o seu comportamento durante a votação do Código Florestal? A nossa Entidade da Floresta — que só não faz milagre no Acre — sempre se negou a confrontar suas ideias com as de seus oponentes — preferindo ameaçar a Terra e o país com o apocalipse. Contou, para isso, com o apoio de ONGs fartamente financiadas por dinheiro vindo do exterior e de colunistas que não distinguiam e não distinguem um pé de feijão de erva daninha. Caso se dissesse a alguns deles que “o povo pede alho”, eles o mandariam comer bugalho…
Certa de que a “mídia” amiga seria eficiente em matar o novo Código Florestal, relatado então pelo agora ministro dos Esportes, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), Marina se limitou a dizer “não” ao texto. Como o debate avançou, apelou aos universitários. Aí, a até então omissa SBPC resolveu fazer o seu relatório recheado de elogios à agricultura brasileira (que remédio?), mas alertando para o apocalipse que viria se a proposta fosse aprovada. A iniciativa não vingou.
Como sabe ou pode saber o leitor, as vestais romanas, virgens sem mácula, eram encarregadas de manter aceso o fogo sagrado. Gozavam de grande prestígio. Os altos dignitários de Roma lhes confiavam segredos, e elas costumavam ser chamadas para dirimir conflitos e apaziguar dissensões. Excepcionalmente, podiam abandonar seu templo e desfilar pela cidade em sinal de protesto se considerassem que uma grave ameaça pesava sobre o Estado romano.
Foi o que fez Marina naquele 2011. As ONGs resolveram carregar a nossa vestal até o Palácio do Planalto para um encontro com o então ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. Ela reivindicava no tapetão o que não conseguira no debate político: o adiamento da votação do relatório. Aldo havia debatido o seu texto país afora. Marina preferiu fazer a cabeça dos ditos “formadores de opinião”. A democracia brasileira tem uma instância chamada Congresso. Ela preferiu os carregadores de liteira das ONGs ao Parlamento. É parte do que chama “nova política”. Não me serve.
O problema é que Marina, eu já escrevi umas 800 vezes, é a outra personagem inimputável da política brasileira. Só perde para Lula. Ambos são beneficiados pelo preconceito de origem às avessas. Como vieram “do povo”, não se questionam seus propósitos. Seriam depositários de uma espécie de verdade ancestral. Note-se, a título de ilustração, que, quando ela deixou o governo, falou-se de seu conflito com Dilma, não com Lula…
A ex-senadora tem um método: se perde o debate nas instâncias consagradas para decidir um embate, apela, então, à galera. Fez isso no PV, aonde chegou, de mala e cuia, para ser candidata em 2010, conhecendo as regras. Disputou a eleição deixando claro, sempre!, que era maior do que o partido. Terminada a peleja, deu início ao esforço para depor a direção da legenda. Como foi derrotada nas instâncias internas — cujas regras ela prometeu acatar quando se filiou —, foi para o debate público, certa de que não precisaria ter razão para conquistar adesões. Não tinha e as conquistou. A direção do PV foi tratada como vilã, mas ela não conseguiu o que queria. Caiu fora. Começou, então, a criar a Rede.
Quer o quê?
O cerne da postulação de Eduardo Campos, convenham, era um tanto confuso. O então candidato insistia na tese de que nada havia de errado no lulismo e que Dilma é que havia se distanciado do bom caminho. Como acertava em alguns diagnósticos parciais que fazia, sua candidatura foi bem recebida. Se não dava para entender o conjunto, havia partes que faziam sentido.
E Marina Silva? Por quanto tempo mais não se vai perguntar, afinal de contas, o que pretende para o Brasil a viúva enlutada e indevida?
Por Reinaldo Azevedo