20/05/2014 às 3:13
Aloysio Nunes: ele tem um projeto sensato para regulamentar greve de servidores
Lideranças das polícias civis de 13 estados mais as de policiais federais e rodoviários anunciam uma paralisação para amanhã. Já escrevi o que eu acho. Sou contra greve de servidores. O punido é sempre o povo, especialmente os mais pobres. Mas é preciso lidar com a realidade. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão da ONU, dispõe de convenções, que podem ou não ser ratificadas pelos países membros. A 151 confere o direito de associação e de greve a servidores públicos (íntegra aqui). Em 2010, por meio de Decreto Legislativo nº 206, o Congresso aprovou a Convenção 151, decisão promulgada pela presidente Dilma Rousseff por meio do decreto presidencial nº 7.944, no dia 6 de março de 2013. Assim, leitores, esqueçam: não há mais a menor possibilidade de o Brasil vir a proibir greves de servidores públicos. O máximo que se pode fazer, nos termos da Convenção 151, é regulamentar a sua forma. Os países pagam determinados preços por ter as lideranças que têm.
Pois bem: como sabemos todos, questões essenciais para os brasileiros estão ainda sem regulamentação. Há dois Projetos de Lei regulamentando o direito de greve que estão parados na Comissão de Direitos Humanos do Senado. Um, o 710/2011, que é a expressão da sensatez, é de autoria de Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). Ele procura conciliar os interesses dos servidores com os da sociedade. O outro, o 287/2013, foi apresentado pelo petista Paulo Paim (PT-RS) e, na verdade, não passa de uma peça de defesa de interesses corporativistas dos servidores públicos. O texto do petista manda às favas a sociedade que o elegeu.
Para começo de conversa, a proposta de Nunes define, no Artigo 17, o que são serviços públicos essenciais, coisa que o petista não faz, a saber:
Art. 17. São considerados serviços públicos ou atividades estatais essenciais aqueles que afetem a vida, a saúde e a segurança dos cidadãos, em especial:
I – a assistência médico-hospitalar e ambulatorial;
II – os serviços de distribuição de medicamentos de uso continuado pelo Serviço Único de Saúde;
III – os serviços vinculados ao pagamento de benefícios previdenciários;
IV – o tratamento e o abastecimento de água;
V – a captação e o tratamento de esgoto e lixo;
VI – a vigilância sanitária;
VII – a produção e a distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
VIII – a guarda de substâncias radioativas e equipamentos e materiais nucleares;
IX – as atividades de necropsia, liberação de cadáver, exame de corpo de delito e de funerária;
X – a segurança pública;
XI – a defesa civil;
XII – o serviço de controle de tráfego aéreo;
XIII – o transporte coletivo;
XIV – as telecomunicações;
XV – os serviços judiciários e do Ministério Público;
XVI – a defensoria pública;
XVII – a defesa judicial da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das suas respectivas autarquias e fundações;
XVIII – a atividade de arrecadação e fiscalização de tributos e contribuições sociais;
XIX – o serviço diplomático;
XX – os serviços vinculados ao processo legislativo; e
XXI – o processamento de dados ligados a serviços essenciais.
Por que essa definição é importante? Porque servirá para balizar o mínimo do serviço que tem de ser mantido; se desrespeitado o percentual, uma greve pode ser declarada ilegal. O Artigo 18 do Projeto de Lei do senador tucano estabelece que as entidades de servidores são obrigadas a manter um mínimo de 60% dos trabalhadores dos chamados serviços essenciais, com uma exceção: o Inciso X, que se refere aos servidores da segurança pública. Nesse caso, o mínimo tem de ser de 80%. No caso das atividades não essenciais, é de 50%.
Nos Incisos II e III e Parágrafo 1º do Artigo 13º, o texto do senador tucano também acaba com a farra do “pagamento dos dias parados”. Lá se pode ler como efeitos da greve:
II – a suspensão do pagamento da remuneração correspondente aos dias não trabalhados;
III – a vedação à contagem dos dias não trabalhados como tempo de serviço, para quaisquer efeitos.
§ 1º Admite-se, limitado a trinta por cento do período da paralisação, a remuneração dos dias não trabalhados, bem como o seu cômputo como efetivo serviço, no caso de ter havido previsão expressa de sua compensação no termo de negociação coletiva, no termo firmado no âmbito dos procedimentos de solução alternativa do conflito, na sentença arbitral, ou na decisão judicial que tenha declarado a greve legal.
Quem ler o texto inteiro verá que ele trata de um monte de garantias dos servidores, que podem, sim, se organizar livremente, sem precisar temer qualquer forma de retaliação. Mas, prudentemente, ele tenta resguardar os interesses também do conjunto da sociedade.
O texto do petista
Paulo Paim: projeto de petista é para sindicatos, não para a sociedade
Não é o que faz Paulo Paim. O texto, na verdade, nem seu é, mas de uma entidade de servidores públicos. Logo, ele assume a posição de quem fala em nome de uma corporação. O texto de Paim estabelece em 30% — SIM, APENAS TRINTA POR CENTO — o número mínimo de funcionários de determinado setor em greve, sem fazer nenhuma distinção entre serviço essencial e não essencial.
Pior ainda: praticamente garante o pagamento dos dias parados. Lê-se no Artigo 19:
Art. 19. As faltas ao trabalho em decorrência de greve serão objeto de negociação a qualquer tempo, devendo produzir um plano de compensação que contemple os dias parados e o trabalho não realizado.
E se não houver acordo? O poder público não poderá descontar por mês mais do que 10% do valor do salário do grevista. Como se nota, é uma espécie de greve sem risco. Nesse caso, os únicos que se lascam mesmo são os pagadores de impostos.
É claro que um governo que não fosse refém de corporações já teria se ocupado dessa questão. Em vez disso, vê-se obrigado a recorrer a expedientes de exceção — como querer proibir especificamente a greve de setores da Polícia Federal durante a Copa do Mundo.
O problema do Brasil, meus caros, reitero, não é fazer feio para os estrangeiros durante o torneio. O problema do Brasil é fazer feio para os brasileiros dia após dia, o ano inteiro, ano após ano. Se aprendermos a fazer um país melhor para nós mesmos, certamente ele será melhor também para os que nos visitam. Quem não cuida de si mesmo não tem como cuidar direito dos outros.
Por Reinaldo Azevedo
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