21 setembro 2013
FAÇO MINHA PARTE
É uma gota d’água, sei bem, algo próximo de zero, mas é o que posso fazer, a minha parte. E faço desde sempre, não é de agora. No supermercado, entre dois cream-crackers, um feito aqui e outro fora, fico com o daqui. Só não, se o daqui for mais caro ou inferior. Mas quase nunca é. Nem uma coisa nem outra. E ainda tem a chance de ser mais fresco.
Isso vale pra tudo. Quando não daqui, da vizinhança mais próxima: Sergipe, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Bairrismo? Não. Claro que não. Se o produto tem fábrica aqui, emprega gente aqui, paga imposto aqui e alimenta toda uma cadeia produtiva. Mesmo que o dono da fábrica não seja daqui. E quase nunca é. “Um produto genuinamente pernambucano”, hoje, é a coisa mais rara do mundo. Mas os empregos, pelo menos, são pernambucanos. Se não de diretor, de peão.
“Todo gordo quer emagrecer, todo magro quer engordar / Para o gordo não tem o que fazer, para o magro biscoito Pilar.” Jingle publicitário dos anos 50, 60. Todo mundo sabia de cor. E a Pilar era líder absoluta de mercado em todo o nordeste. Não tinha pra ninguém. Duchen e Aymoré, líderes no sul e sudeste, aqui levavam coro. A Nestlé não amarrava a chuteira da Pilar. Até que os gordos pararam de comer biscoito Pilar e magro não quer mais saber de engordar.
O guaraná Fratelli Vita disputava taco a taco com a Coca-Cola. No interior, o Fratelli dava de goleada. E o guaraná (Champanhe e Caçula) Antarctica ficava na rabeira, perdia até pra laranjada Cliper, fabricada por Seu Botelho, criador do slogan mais esdrúxulo do mundo: “Dessedenta e alimenta”.
Quando minha mãe passava por Vitória do Espírito Santo, escala de voo do Rio ou São Paulo, trazia pra gente chocolate Garoto. Mas, aqui, no Recife, chocolate era Renda & Priori. Violão, charuto e peixe. Maravilha! Sonho de Valsa e Diamante Negro, da Lacta, eram coisa rara, comprados na porta do cinema com dinheiro da mesada. Renda & Priori era dona do mercado por esse nordeste afora. E tinha ainda os chocolates Beija-Flor (eu era amigo do neto do dono, Antônio Eirado).
Queijo do reino só se comia em fim de ano. Minha mãe cortava ao meio. Metade pro Natal, metade pro Ano Novo (o do Ano Novo ela tinha que esconder pra gente não comer antes). Queijo prato, coalho e requeijão era Santa Maria (fábrica em Bom Conselho, depósito refrigerado na Rua do Lima). Ou comprados num mercado público, vindos do interior. Marcas de fora, só na Casa dos Frios (Rua da Palma).
Esta história é antiga: eu tinha um relógio bom. Roubaram. Vi um igualzinho na vitrine de uma loja de São Paulo. Promoção. Anotei o preço. Do hotel, liguei pra Evânia Margolis. “Tem na loja?” “Tenho.” “Aqui tá por tanto.” “Pra você, dou mais 25%.” Do aeroporto, mesmo, fui pra loja dela no Shopping Recife pegar o relógio. Ganhei no preço, a vendedora ganhou a comissão, Evânia e Moisés ganharam com a venda e o ICMS ficou aqui.
A balança comercial brasileira registrou um déficit no primeiro semestre deste ano de quase US$ 5 bilhões. E eu, juro, não entrei com nenhum tostão nessa história. Tô fora!
O que tem de brasileiro comprando porcaria em Nova York é uma festa. Até produto falsificado, made in China, de camelô. “Comprei na Broadway, entre as ruas 26 e 32.” Babaca! Na 25 de março, em São Paulo, você compra a mesma porcaria pela metade do preço. E dá sua modesta contribuição à balança comercial brasileira.
Quem quiser que me ache xenófobo. Tudo bem. Faço o que acho ser a minha parte. Pago todos os impostos, cumpro a lei e ando na linha. Por isso, sinto-me com direito de esculhambar com tudo que acho errado nesse país.
Muita gente por aí também esculhamba, mas o que mais tem é rabo de palha.