29/05/2013 às 4:16
De vez em quando, o Brasil se lembra de fazer a coisa certa. A Câmara concluiu ontem a votação do projeto que muda o Sistema Nacional Antidrogas — ou, para ser mais preciso, que tenta lhe dar efetividade. O texto-base, que passou por diversas mudanças (foi retirada, por exemplo, a internação obrigatória), é do correto deputado Osmar Terra (PMDB-RS), que também é médico. Ele andou apanhando de certa imprensa mais do que os… traficantes! Na verdade, o texto foi aprovado contra o poderoso lobby em favor da descriminação das drogas — que já há algum tempo pede também a não punição de “pequenos traficantes”, seja lá o que isso signifique. O texto aprovado contou com a ativa militância contrária de amplos setores do PT, especialmente dos deputados José Genoino (SP), o mensaleiro cheio de opinião, e Paulo Teixeira (SP). Felizmente, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, costurou e bancou o acordo. Sim, ministra que é, falava em nome da presidente Dilma Rousseff. Lamentável é que setores desse mesmo governo, num caso ou de esquizofrenia ou de descoordenação, banque seminários em favor da legalização de todas as drogas, a exemplo de um ocorrido recentemente em Brasília, promovido por um órgão ligado o MEC e com apoio do Ministério da Saúde.
O texto cuja votação foi concluída ontem eleva de cinco para oito anos a pena mínima de traficantes que, atenção!!!, fizerem parte de organização criminosa. A pena máxima continua a mesma: 15 anos. O PT apresentou um destaque — contra, reitero, negociação que havia sido empreendida por Gleisi — para retirar esse dispositivo do texto. “Esse endurecimento da repressão, que não separa traficante de usuário, vai piorar a situação e criar uma falsa ilusão”, afirmou Genoino. “Com essa lei, você poderá pegar quatro pessoas fumando maconha e enquadrar como organização criminosa”, disse Teixeira.
Pela ordem: Genoino é um homem mesmo singular. Segundo entendo, ele reconhece a existência de uma “ilusão falsa” e de uma “ilusão verdadeira”. A primeira, imagino o que seja. Mas e a segunda? Vai ver é o deputado diante do espelho: “Não, você não fez nada de errado no mensalão”. Por ilusão, é falsa, mas há uma possibilidade de que ele acredite na falsidade… Quanto a Teixeira, dizer o quê? Este senhor já concedeu entrevista a site que faz proselitismo da maconha. Defende ainda que pessoas surpreendidas com uma quantidade de drogas suficiente para, ATENÇÃO!, DEZ DIAS DE CONSUMO não sejam importunadas pela lei. Um viciado em crack pode fumar 30 pedras por dia. Um rapaz de um extinto grupo musical chamado “Polegar” — Rafael Ilha — confessou publicamente que chegava a fumar… 60! Fiquemos nas 30… Teixeira quer deixar livre, leve e solto alguém flagrado com… 300 pedras! Tráfico??? Nada! Seria apenas consumo. Aquela comissão aloprada que redigiu um anteprojeto de reforma do Código Penal enviou ao Senado um texto em que propõe que seja considerada apenas “consumo” a droga suficiente para cinco dias — no caso em espécie, 150 pedras!!! Como levar essa gente a sério? O estado brasileiro seria obrigado, então, a definir a quantidade considerada, digamos, “padrão” para o consumo diário de substâncias entorpecentes. Essa conversa é de tal sorte irracional que avalio que ninguém é assim tão estúpido! Claro que não! Gente que fala essas coisas quer mesmo é a legalização das drogas e do próprio tráfico.
Daí essa conversa de “pequeno traficante”… Quem é esse? É aquele que vende droga para sustentar o pequeno vício? Em quantidades realmente pequenas, dificilmente seria enquadrado. A hipótese aventada por Teixeira é puro terrorismo argumentativo. Se quatro pessoas forem flagradas, cada uma fumando o seu cigarro de maconha, poderão até ser levadas ao juiz, que, no mais das vezes, se limitará a uma advertência. No máximo, terão de prestar serviço comunitário. Ninguém mais é preso por consumo, e Teixeira sabe disso. A lei brasileira, a 11.343, já é de uma incrível liberalidade. Aliás, depois que entrou em vigor, em 2006, o consumo de drogas aumentou muito. E nem poderia ser diferente, não é? Adivinhem qual eventual punição põe mais medo no consumidor: prisão ou, no máximo, serviço comunitário?
A nova lei traz outros aspectos importantes. Ela regulamenta a internação voluntária e a involuntária — a obrigatória foi retirada do texto. No primeiro caso, o dependente se submete ao tratamento por vontade própria; no outro, ela é feita com a autorização da família e o acompanhamento de profissionais de saúde, que precisam atestar a necessidade. O texto cuida ainda de um aspecto importante: reconhece as chamadas comunidades terapêuticas como instrumentos de reinserção do dependente que está disposto à internação. Essas entidades, hoje em dia, já recebem dinheiro público. Agora, se a lei for cumprida, seu trabalho terá o devido acompanhamento.
A questão gerou bastante polêmica, movimentada pela militância antirreligiosa — em alguns casos, beirando a cristofobia. Como há grupos evangélicos e católicos que mantêm essas entidades, começou a gritaria meio boçal: “O Estado é laico! O Estado é laico!”. Claro que é! Os religiosos, por acaso, estariam impedidos de fazer um trabalho terapêutico por isso? Ora, peçam, então, o fechamento de todos os hospitais do país ligados a entidades católicas, por exemplo. Vamos ver no que é que dá. Entidades religiosas cuidam também de orfanatos e creches. Que tal acabar com eles? Vai que as criancinhas se tornem cristãs… Ora, haverá condições, se o texto for aprovado no Senado, de passar a acompanhar o trabalho desses grupos, de fiscalizá-los adequadamente.
O texto aprovado na Câmara permite também a dedução no Imposto de Renda, por pessoas físicas e jurídicas, de doações a entidades dedicadas ao tratamento de dependentes. E estabelece uma cota de 3% de contratação de pessoas em tratamento — e sem reincidência — em obras públicas que empreguem mais de 30 trabalhadores. Oponho-me, é evidente, a esse cotismo também. Eu o considero, na verdade, absurdo. A ministra Gleisi tentou retirá-lo. Preferia que houvesse um estímulo à contratação, não a obrigatoriedade. Mas não deu. Já o PT, como partido, queria era mais: achava que os reincidentes deveriam continuar cotistas… Espero que isso caia no Senado. Prefiro que se reservem 3% das vagas aos que sabem tocar piano, oboé, clarineta… Ou aos amantes da poesia… Até aos viciados em Chicabon. Por que um ex-drogado — ou dependente em processo de cura — teria de ter um privilégio que não se concede a quem resistiu à tentação da droga? Ora…
Seja como for, o texto — entendido pelos lobbies pró-maconha e por amplos setores da imprensa como um “atraso” — é um óbvio avanço. “Avanço, Reinaldo?” Sim, segundo a ótica dos que consideram que é preciso tomar medidas que diminuam a exposição das pessoas às drogas e que lugar de traficante é na cadeia.
Genoino não acha. Nem Paulo Teixeira. “Nem o FHC!”, grita um petralha. Sim, nem FHC.
Por Reinaldo Azevedo