20 de Janeiro de 2013
Por GUILERME ARÊAS
Juiz de Fora vem enfrentando violência típica de regiões metropolitanas, e isso tem feito com que cidadãos mudem hábitos. Os furtos de veículos, por exemplo, estão cedendo espaço para os roubos, em ações cada vez mais violentas. Entre dezembro e janeiro, foram seis tentativas e assaltos a mão armada contra motoristas só na Zona Sul e Centro. E os bandidos têm se mostrado impiedosos e dispostos a atirar, como ocorreu no dia 27 de dezembro, quando um universitário de 19 anos foi baleado na Avenida Olegário Maciel. Essa semana, a Tribuna localizou a vítima, que contou detalhes de como conseguiu dirigir até o hospital mesmo tendo levado dois tiros no rosto. A tese de que a cidade enfrenta uma fase preocupante na questão da segurança é reforçada pelo aumento de 90% das mortes violentas no ano passado (99 casos), em relação a 2011 (52) e 2010 (52). A própria reação da PM pode indicar uma mudança nesse perfil. No último mês, em quatro ocorrências diferentes, policiais precisaram atirar contra suspeitos, reação até então rara. Chamam a atenção ainda as saidinhas de banco, assaltos violentos ao comércio, ações contra caixas eletrônicos e até os sequestros-relâmpago (pelo menos cinco casos em 2012). Já pelos dados oficiais, não é possível dizer que os crimes aumentaram; pelo contrário, a PM divulga uma redução de 61,8% na criminalidade violenta, entre 2006 e 2012.
Quem teve uma arma apontada para o rosto durante um assalto não apaga da mente a cena que viveu. Rendido por três homens no dia 11 de dezembro, também no Cascatinha, um bancário, 47, não viu outra alternativa a não ser alterar sua rotina. "Estou mais cauteloso e desconfiado sobre o que está acontecendo em volta." Ele entrava em seu carro, na Rua Francisco Vaz de Magalhães, quando três homens passaram pela via e anunciaram o assalto. Um dos criminosos exigiu que o bancário entrasse no veículo, no mesmo momento em que um homem armado ligava o motor. No desespero, a vítima ignorou as ordens e correu para a residência de onde havia saído, fechando o portão. Os bandidos fugiram levando o carro. "Juiz de Fora não é mais o que a gente imaginava ser. Quando comento isso com outras pessoas, todas dizem o mesmo, que a violência está em um nível bem acima do que estávamos acostumados a ver."
Diante da violência, um corretor de imóveis, 47, tomou a decisão: não deixa mais motos cortarem pela esquerda no trânsito, para evitar possíveis abordagens. Ele adotou essa medida porque muitos crimes têm sido cometidos por bandidos em motocicletas. "O primeiro assalto em um sinal de trânsito que eu vi a Tribuna noticiar em Juiz de Fora foi há cerca de dois anos", lembra, destacando que, de lá para cá, os roubos a veículos vêm aumentando. "Quando tenho que parar no sinal, escolho a faixa do meio ou então deixo o meu carro bem colado no veículo do lado."
Mas os motociclistas também são vítimas da violência marcada pela banalidade. Baleado durante uma discussão no trânsito, na última segunda-feira, no Cascatinha, um motoentregador, 24, disse que vai adotar outra postura: "A cidade está ficando mais violenta. A partir de agora, vou ficar quieto e pensar dez vezes antes de falar alguma coisa." Um dia depois de ter o abdômen transfixado por uma bala, o jovem já estava de volta ao trânsito, entregando botijões de gás, e passou por situação semelhante àquela que resultou nos tiros. "Um motorista avançou outro 'pare' e quase bateu na minha picape. Mas não xinguei, deixei pra lá."
Temor afasta usuários da Via São Pedro
Na Cidade Alta, os perigos da Via São Pedro têm afastado quem se exercitava lá. Após ser assaltada, presenciar o uso de drogas e depois dos casos de estupro e até de um corpo encontrado num matagal, uma moradora, 49, deixou de caminhar na avenida. Sua faxineira também mudou hábitos e passou a sair mais cedo do trabalho para pegar o ônibus em horário mais movimentado na Estrada Engenheiro Gentil Forn. "Além disso, ela me pediu para fracionar o pagamento do salário, para evitar andar com todo o dinheiro."
Desde que levou três facadas, em 2011, um taxista, 67, deixou de prestar o serviço à noite. Ele levava um casal do Parque Halfeld ao Jardim de Alá, na Zona Sul, quando o homem anunciou o assalto e roubou R$ 4. O taxista reagiu e foi golpeado nos braços e no peito. "Trabalhei à noite durante 26 anos. Assim como eu, tem outros colegas abandonando esse horário."
O receio de ser uma das vítimas dos assaltos na Avenida JK, na Zona Norte, fez com que uma supervisora de departamento, 60, alterasse a rotina na volta para casa, na Cidade do Sol, onde mora há 27 anos. "Antes eu costumava pegar qualquer ônibus que parava na JK e ia andando para casa. Agora, quando preciso voltar mais tarde, pego um ônibus até a rodoviária e depois, um táxi."
Pela primeira vez em 36 anos de existência, uma relojoaria na Marechal Deodoro, no Centro, foi assaltada e, devido a isso, terá câmeras de monitoramento. Os proprietários redobraram a atenção por causa do prejuízo de R$ 3 mil em assalto à mão armada, no dia 27 de dezembro. "Acho que a criminalidade está mesmo aumentando", disse a proprietária, 41.
'São remendos novos em um pano velho'
Para o membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos (Nesp) da PUC-Minas, Robson Sávio, há uma relação direta entre o aumento da violência e o adensamento do tráfico de drogas e a maior disponibilidade de armas. Segundo o pesquisador, Juiz de Fora vem enfrentando, em um processo que começou por volta de 2009, o mesmo padrão que cidades maiores já viveram. "O aumento do tráfico faz com que cresça muito o comércio de armas de fogo, pois esses grupos precisam estar cada vez mais armados. E isso significa maior letalidade. Mais do que isso: a população comum vai tendo mais acesso às armas."
Robson Sávio defende que haja mais investimentos em inteligência, com o fortalecimento da polícia investigativa. Em 2012, conforme o Portal da Transparência de Minas, o montante gasto em segurança pública no estado foi de R$ 5,6 bilhões (ante dos R$ 7,5 bi do ano anterior), sendo R$ 2,9 bi para a PM e R$ 1 bi para a Polícia Civil. O especialista acredita que, quanto mais as forças de segurança pública entrarem no esquema de guerra, maior será a letalidade, tanto de criminosos, quanto de cidadãos comuns e policiais. "A eficiência policial mede-se muito menos pelo enfrentamento e muito mais pela inteligência e investigação. A Polícia Federal desmonta quadrilhas das mais sofisticadas sem dar um tiro."
Ele concorda que o problema da violência vai além da questão policial, mas defende reformas profundas na estrutura das polícias. "Não é possível que continuemos com um modelo que opera da mesma forma há 30 anos. O que vemos são sempre remendos novos em pano velho. Todos os governos que adotaram política exitosa para frear o avanço da violência, atacaram três vertentes: o aumento da eficiência policial; a criação de políticas sociais nos aglomerados mais violentos, como escola em tempo integral e geração de emprego e renda; e o desarmamento da população."
Segurança real versus 'sensação'
A violência motivou a Câmara Municipal a agendar um seminário para março. O objetivo é reunir, pela primeira vez, várias esferas do Poder Público e da sociedade civil para debater a criminalidade, que, segundo os organizadores, alcançou níveis inéditos. Esse é mais um dos fatos que revelam a atenção da sociedade em relação à violência. E uma das principais preocupações hoje da PM é justamente o aumento da sensação de insegurança, que contrasta com os dados oficiais de redução da criminalidade. O assessor de comunicação da 4ª Região da PM, major Sebastião Justino, prefere não falar em mudança do perfil dos crimes, mas sim em banalização da vida, o que está além do campo de atuação da polícia. "Hoje se mata por qualquer coisa." Segundo ele, muitas pessoas associam a segurança à presença física do policial, porém a corporação não consegue estar em todos os locais o tempo todo.
A psicóloga e coordenadora do Espaço de Estudos e Pesquisas das Violências e Criminalidade da Faculdade Machado Sobrinho, Márcia Mathias de Miranda, acredita que a sensação de insegurança tenha origem mais no imaginário coletivo do que no processo de vitimização real. "A maioria das pessoas que se sentem inseguras nunca foi vitimada pela violência." A pesquisadora acredita que a mídia seja a principal responsável por essa percepção. "Dependendo do foco da notícia e da forma como é divulgada, pode trazer a sensação de que Juiz de Fora está em uma situação alarmante, o que não é verdade."
O assessor da 4ª RPM concorda. "Matéria negativa é atrativa para quem quer ler matéria negativa." Questionado se a imprensa não estaria apenas cumprindo o papel de informar os fatos, ele argumenta: "Informar o fato exatamente do jeito que ocorreu é obrigação da mídia. Mas, às vezes, dá-se muita importância para um fato negativo. Ações preventivas que a PM adota também poderiam ser destacadas."
Em relação aos recentes casos de violência extrema, o que poderia mostrar uma mudança no perfil da criminalidade, a psicóloga Márcia Mathias de Miranda recomenda cautela. "Não são casos que acontecem diariamente ou com incidência muito grande. Eles ainda representam situações atípicas. Justamente por ser atípica, a imprensa vai noticiar, e aquilo passa a ser contado como uma realidade cotidiana. Mas as pessoas não têm discernimento para ler isso de forma crítica e entender que não é regra, mas sim exceção."
Para o professor de jornalismo policial da Faculdade de Comunicação da UFJF, Ricardo Bedendo, atribuir à imprensa a responsabilidade pela sensação de insegurança não é o caminho mais interessante. "A mídia precisa noticiar os fatos. A grande questão é como noticiar. E aí vejo, nos jornais mais tradicionais, um amadurecimento muito grande nesse processo."
O membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Robson Sávio defende que só se consegue aumentar a percepção de segurança com ações que reduzam de forma eficiente e confiável os índices criminais. "Não adianta a polícia achar que vai reduzir isso por decreto ou jogando a responsabilidade para a mídia."
O pesquisador acredita que a tendência é de que a sensação de insegurança aumente, principalmente em Juiz de Fora, onde o padrão de crimes historicamente é baixo. "O fato de os casos de violência serem publicados na imprensa, ajuda (a aumentar a percepção de insegurança). Mas, muito mais do que isso, as pessoas começam a conhecer vítimas de crimes ou até mesmo a sofrer violência." E ele enxerga isso com preocupação. "O medo faz com que as pessoas frequentem menos os espaços públicos. Quanto mais isoladas, mais vulneráveis elas ficam. Isso ainda diminui a credibilidade nos órgãos policiais e na Justiça, porque as pessoas acham que essas entidades não trabalham bem, e acabam denunciando menos."
http://www.tribunademinas.com.br/cidade/medo-de-violencia-faz-juiz-forano-mudar-rotina-1.1218216