Barbosa faz crítica a pergunta feita por jornalista negro de TV
Descontente com uma pergunta feita por um repórter negro, o novo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Joaquim Barbosa, disse anteontem que o questionamento reproduzia estereótipos repetidos por jornalistas brancos. “Eles [os demais jornalistas presentes no momento da frase, brancos] foram educados e comandados para levar adiante esses estereótipos. Mas você, meu amigo?”, disse Barbosa.
O jornalista Luiz Fara Monteiro, da TV Record, havia perguntado a Barbosa se ele estava “mais tranquilo, mais sereno” após a primeira sessão presidindo a corte. O relato foi publicado no mesmo dia no “Blog do Noblat”, do jornal “O Globo”. Barbosa falava para um grupo de repórteres em “off”, jargão jornalístico para designar informação em que a fonte se mantém anônima. Com a divulgação no blog do diário carioca, a Folha avaliou não haver mais o compromisso de preservar o “off”.
ESTEREÓTIPO
“Nesses dez anos, o ministro Joaquim botou para quebrar aí, quebrou as cadeiras? Gente, vamos parar de estereótipo, tá?”, queixou-se Barbosa, segundo o blog. “Logo você, meu brother!”, disse então ao repórter. “Ou você se acha parecido com a nossa Ana Flor [repórter da agência Reuters, que é branca]? A cor da minha pele é igual à sua. Não siga a linha de estereótipos porque isso é muito ruim. Eles foram educados e comandados para levar adiante esses estereótipos. Mas você, meu amigo?”.
Procurada para falar sobre o assunto, a assessoria de Barbosa disse que o ministro não iria comentar.
Voltei
Tendo acontecido tudo dessa maneira, trata-se, e não tenho outra palavra para empregar, de uma reação detestável do ministro Joaquim Barbosa. Vejam como sou: quando acho que devo, elogio; quando acho que devo, critico.
O ministro incorre em dois erros graves — e ambos teriam uma marca racial de cor de pele fosse raça. Quer dizer, então, ministro Barbosa, que todos os jornalistas brancos foram “igualmente educados e comandados” para ter uma determinada reação? Quer dizer, então, ministro, que cor de pele, agora, é destino e determina o pensamento? Quer dizer, ministro, que os brancos, nesse particular, não têm divergências?
Da mesma sorte, Vossa Excelência está a dizer que os negros todos hão de ter uma pauta e pensar em bloco porque, afinal, negros? O que o senhor censurou exatamente no repórter Luiz Fara Monteiro? Não ter feito uma pergunta “digna de um preto”?
Diga-me cá, ministro Barbosa: Vossa Excelência acredita que um preto deva entrevistar outro como preto? O mesmo deve valer para os brancos? No caso de uns e outros entrevistarem os que não são da sua cor, deve-se fazer entrevista ou dar início a uma guerra racial, ministro?
É provável que o repórter da Record tivesse em mente o temperamento algo abespinhado de Vossa Excelência — que, mais uma vez, se evidenciou nesse episódio lastimável. Será preciso lembrar aqui as muitas vezes em que o ministro ultrapassou a linha, o que o obrigou até a se desculpar com colegas?
Ora, ministro Joaquim Barbosa! Seu antípoda no julgamento, Ricardo Lewandowski, apanhou bastante de alguns jornalistas — neste blog, então, nem se fale… Terá sido porque é branco, porque se chama Lewandowski, porque é católico, porque morou em são Bernardo, porque…?
Noto, ademais, que o ministro falou ao repórter de “negro pra negro”, apartando-se dos brancos e censurando o seu “brother” porque não estaria apartado o bastante. O que ele pretende? Que Luiz Fara Monteiro seja primeiro negro e depois repórter? De Barbosa, espero que seja primeiro juiz e depois negro. Até porque, que eu saiba, suas decisões também afetam a vida dos brancos, dos mestiços, dos amarelos, dos vermelhos…
Barbosa deveria se desculpar com os jornalistas brancos. Barbosa deveria se desculpar com o jornalista negro. Ele preside o Supremo Tribunal Federal. Não é juiz de um tribunal racial.
Lamento muito ter de escrever isso. Mas lamento muito mais o que me levou a escrever isso.
Texto publicado originalmente às 6h39